Uma
das primeiras armadilhas interiores é aquilo que chamamos de
“realidade”. Falo, é claro, da ideia de realidade que atua como
a grande fiscalizadora do nosso pensamento. O maior desafio é sermos
capazes de não ficar aprisionados nesse recinto que uns chamam de
“razão”, outros de “bom-senso”. A realidade é uma
construção social e é, frequentemente, demasiado real para ser
verdadeira. Nós não temos sempre que a levar tão a sério.
Quando
Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como conseguiu escrever
versos tão cheios de ternura numa prisão tão desumana ele
respondeu: “Eu desvalorizei as paredes”. Essa lição se
converteu num lema da minha conduta.
Ho
Chi Minh ensinou a si próprio a ler para além dos muros da prisão.
Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato. É ensinar a
escolher entre sentidos visíveis e invisíveis. É ensinar a pensar
no sentido original da palavra “pensar” que significava “curar”
ou “tratar” um ferimento. Temos de repensar o mundo no sentido
terapêutico de o salvar de doenças de que padece. Uma das
prescrições médicas é mantermos a habilidade da transcendência,
recusando ficar pelo que é imediatamente perceptível. Isso implica
a aplicação de um medicamento chamado inquietação crítica.
Significa fazermos com a nossa vida quotidiana aquilo que fizemos
neste congresso que é deixar entrar a luz da poesia na casa do
pensamento.
Mia
Couto, in E se Obama fosse africano?
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