domingo, 16 de junho de 2019

16/04/92 - 00:39

Dia ruim no hipódromo. No caminho pra lá, sempre fico ruminando sobre qual sistema usar. Devo ter uns seis ou sete. E, certamente, escolhi o errado. Ainda assim, nunca vou perder meu rabo nem a cabeça no hipódromo. É que eu não aposto tanto. Os anos de pobreza me tornaram cauteloso. Mesmo os dias que ganho não são fantásticos. Mas prefiro estar certo do que errado, especialmente quando dou horas da minha vida. Pode-se sentir que o tempo está sendo literalmente assassinado lá. Hoje, estavam se aproximando da partida do 2 o páreo. Ainda faltavam três minutos e os cavalos e os jóqueis se aproximavam lentamente. Por alguma razão, parecia um tempo agonizantemente longo pra mim. Quando você tem 70 anos, incomoda mais que alguém foda com seu tempo. Tá bem, sei que eu mesmo me coloquei na situação de ser fodido.
Costumava ir nas corridas de cachorros à noite, no Arizona. Só que lá eles sabiam o que estavam fazendo. Era só você virar as costas para buscar uma bebida e já estava saindo um outro páreo. Sem 30 minutos de intervalo. Zip, zip, corriam um depois do outro. Era estimulante. O ar da noite era frio e a ação, contínua. Você não achava que alguém estava tentando cortar seu saco entre os páreos. E depois que tudo terminava, você não estava cansado. Podia beber pelo resto da noite e brigar com sua namorada.
Mas com os cavalos é um inferno. Fico isolado. Não falo com ninguém. Isso ajuda. Bem, os bilheteiros me conhecem. Tenho que ir até os guichês e usar minha voz. Ao longo dos anos, passam a te conhecer. E a maioria é bem legal. Acho que os anos que passaram lidando com a humanidade lhes deram uma certa visão. Por exemplo, sabem que a maior parte da raça humana é uma grande merda. Mesmo assim, mantenho distância dos bilheteiros. Guardando meus conselhos para mim mesmo, tenho uma vantagem. Poderia ficar em casa e fazer isso. Poderia trancar a porta e brincar com tintas ou qualquer coisa assim. Mas, de alguma forma, tenho que sair, e ter certeza de que toda a humanidade é uma grande merda. Como se fosse mudar! Ei, cara, você deve ser louco. Mas existe alguma coisa lá, isto é, não penso em morrer lá, por exemplo, lá você se sente burro demais para conseguir pensar. Apesar disso, já levei um caderno, bem, escreveria alguma coisa entre os páreos. Impossível. O ar é denso e pesado, somos todos membros voluntários de um campo de concentração. Quando chego em casa, daí posso pensar na morte. Só um pouquinho. Não muito. Não me preocupo com a morte ou não tenho pena de morrer. Parece uma tarefa desgraçada. Quando? Na próxima quarta-feira à noite? Ou quando estiver dormindo? Ou por causa da próxima terrível ressaca? Acidente de trânsito? É uma carga, é uma coisa que deve ser feita. E vou morrer sem acreditar em Deus. Isso vai ser bom, posso enfrentá-la de cabeça em pé. É uma coisa que você tem que fazer, como calçar os sapatos de manhã. Acho que vou ter saudades de escrever. Escrever é melhor que beber. E escrever enquanto você está bebendo sempre faz as paredes dançarem. Talvez haja um inferno, será? Se houver, lá estarei e sabem o que mais? Todos os poetas estarão lá, lendo seus trabalhos e eu vou ter que ouvir. Serei afogado por sua elegante vaidade, por sua transbordante autoestima. Se houver um inferno, este será o meu: um poeta atrás do outro lendo sem parar...
De qualquer forma, um dia especialmente ruim. Esse sistema que geralmente funcionava não funcionou. Os deuses embaralharam as cartas. O tempo está mutilado e você é um idiota. Mas o tempo foi feito para ser desperdiçado. O que você vai fazer em relação a isso? Você não pode estar sempre a mil. Você para e anda. Você chega ao topo e depois cai num buraco negro. Você tem um gato? Ou gatos? Eles dormem, cara. Podem dormir 20 horas por dia e são lindos. Sabem que não há nada para se preocupar. A próxima refeição. E alguma coisinha para matar de vez em quando. Quando estou sendo dilacerado pelas forças, olho para um ou vários dos meus gatos. É só olhar para um deles dormindo ou meio dormindo e relaxo. Escrever também é meu gato. Escrever me faz enfrentar as coisas. Me acalma. Por algum tempo, pelo menos. Daí, meus fios se cruzam e tenho que fazer tudo de novo. Não consigo entender os escritores que decidem parar de escrever. Como eles esfriam?
Bem, o hipódromo estava chato e morto hoje, mas aqui estou de volta em casa e haverá um amanhã, muito provavelmente. Como consigo fazer isso?
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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