domingo, 19 de maio de 2019

Terra de monstros

No seu livro A história natural dos sentidos, Diane Ackerman especula sobre o que um visitante de outra galáxia pensaria do que comemos. Se o extraterrestre resolvesse dar um jantar de confraternização na nave-mãe para representantes de todos os povos da Terra, teria dificuldade em organizar o menu e mais dificuldade ainda em conter a ânsia de vômito.
Sendo um ser perfeito que se alimenta só de luz líquida, como todos os alienígenas hipotéticos, nosso visitante não entenderia como os alemães conseguem comer repolho azedo com tanta alegria, por que os americanos chamam o pepino estragado de pickles e o comem com tudo, os franceses esperam o peixe apodrecer antes de comê-lo e os japoneses nem esperam o peixe morrer. E por que todos se entusiasmam com um fungo que chamam de champignon e entram em êxtase com outro chamado “trufa”, que é encontrado embaixo da terra por porcos. Mas o que realmente faria o extraterrestre correr para o banheiro da nave seria descobrir que os terrestres espremem um líquido branco e gorduroso das glândulas mamárias de um animal chamado “vaca” — e o bebem! De volta do banheiro, nosso anfitrião talvez se deparasse com um italiano destrinchando um passarinho com os dentes e tivesse que sair correndo outra vez.
O visitante não acharia nada de mais com o pão, o alimento mais simples e são do homem. Mas ouviria o alemão contar que o pão pumpernickel tem este nome porque pumper quer dizer “pum” e Nickel quer dizer o diabo, e que o pão é tão duro que até o diabo solta puns ao tentar comê-lo. Isto, aliado ao queijo bolorento e fedorento que o francês trouxe para comer com o pão, levaria nosso extraterreno a tomar uma decisão súbita. Expulsar todo mundo da nave e voltar voando para a sua galáxia translúcida, longe desta Terra de monstros.
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

Nenhum comentário:

Postar um comentário