O
que os escritores fazem quando não estão escrevendo? Eu vou ao
hipódromo. Nos meus primeiros tempos, ou passava fome ou trabalhava
em empregos de revirar o estômago.
Agora,
me mantenho afastado dos escritores – ou das pessoas que se dizem
escritores. Mas entre 1970 e 1974, quando decidi ficar em um lugar e
escrever ou morrer, os escritores vinham aqui, todos poetas. POETAS.
E descobri uma coisa curiosa: nenhum deles tinha qualquer meio
visível de sustento. Ou, se faziam leituras de poesias, poucos
assistiam, digamos de quatro a 14 outros POETAS. Mas todos viviam em
apartamentos razoavelmente bons e pareciam ter tempo de sobra para
sentar no meu sofá e beber minha cerveja. Adquiri fama na cidade de
ser o maluco, de fazer festas onde coisas inomináveis aconteciam e
mulheres doidas dançavam e quebravam as coisas, ou que eu expulsava
as pessoas da minha casa, ou que havia batidas policiais ou etc. etc.
Muito disso era verdade. Mas eu também tinha que escrever para meu
editor e para as revistas para conseguir dinheiro para o aluguel e o
trago, e isto significava escrever prosa. Mas esses... poetas... só
escreviam poesia... eu achava que eram superficiais e pretensiosas...
mas eles continuavam com ela, vestiam-se razoavelmente bem, pareciam
bem-alimentados, e tinham todo esse tempo pra sentar no sofá e tempo
pra conversar – sobre sua poesia e sobre si mesmos. Muitas vezes,
eu perguntava: “Escute, como você se sustenta?”. Eles só
ficavam sentados, sorriam para mim, bebiam minha cerveja e esperavam
que alguma das minhas doidas mulheres aparecesse, na esperança de
que, de alguma forma, conseguissem um pouco de sexo, admiração,
aventura ou seja lá o que for.
Estava
ficando claro para mim que eu teria que me livrar desses bajuladores
molengas. E, gradualmente, descobri seu segredo, um a um. Na maioria
das vezes, nos bastidores, bem escondida, estava a MÃE. A mãe
tomava conta destes gênios, pagava o aluguel, a comida e as roupas.
Lembro
uma vez, numa rara saída de casa, eu estava sentado no apartamento
desse POETA. Estava um saco, nada para beber. Ele ficou falando que
era uma injustiça ele não ter maior reconhecimento. Os editores,
todos conspiravam contra ele. Apontou o dedo para mim: “Você
também, você disse pra Martin não me publicar!” Não era
verdade. Daí, ele começou a reclamar e a se queixar sobre outras
coisas. Então, tocou o telefone. Ele atendeu e começou a falar bem
baixinho e reservadamente. Desligou e virou-se para mim.
“É
a minha mãe, ela está vindo pra cá. Você tem que ir embora.”
“Tudo
bem, gostaria de conhecer a sua mãe.”
“Não!
Não! Ela é horrível! Você tem que ir embora! Agora! Rápido!”
Tomei
o elevador e saí. E risquei-o de meu caderno.
Havia
um outro. A mãe pagava para ele a comida, o carro, o seguro, o
aluguel e até mesmo escrevia parte dos seus poemas. Inacreditável.
E isso aconteceu durante décadas.
Havia
outro cara, parecia sempre muito calmo, bem-alimentado. Dava aulas
numa oficina de poesia em uma igreja todos os domingos de tarde.
Tinha um bom apartamento. Era membro do partido comunista. Digamos
que seu nome fosse Fred. Perguntei a uma senhora que frequentava sua
oficina e que o admirava muito: “Escute, como o Fred se sustenta?”.
“Bem”, disse ela, “Fred não quer que ninguém saiba, porque
ele é muito reservado sobre isso, mas ele ganha dinheiro limpando
caminhões de comida.”
“Caminhões
de comida?”
“É,
você sabe, essas caminhonetes que entregam café e sanduíches no
intervalo e no almoço nos locais de trabalho, bem, esses caminhões
de comida.”
Passaram
uns dois anos e então foi descoberto que Fred também era
proprietário de dois edifícios de apartamentos e que vivia
principalmente dos aluguéis. Quando descobri isso, tomei um trago e
fui até o apartamento de Fred. Ficava em cima de um pequeno teatro.
Um lugar pretensiosamente artístico. Saltei para fora do carro e
toquei a campainha. Ele não respondeu. Eu sabia que ele estava lá.
Tinha visto sua sombra passando atrás das cortinas. Voltei para o
carro e comecei a tocar a buzina e a gritar: “Ei, Fred, sai daí!”.
Joguei uma garrafa de cerveja em uma das suas janelas. Picou e
voltou. Isso o fez se mexer. Saiu na varanda e me espiou. “Bukowski,
vá embora!”
“Fred,
vem aqui embaixo que eu vou te dar um chute na bunda, seu comunista
proprietário de terras!”
Ele
correu para dentro. Fiquei lá parado, esperando por ele. Nada.
Então, me ocorreu que ele estava chamando a polícia. Já tinha
encontrado demais a polícia. Entrei no carro e fui pra casa.
Outro
poeta vivia nessa casa na beira do mar. Uma casa legal. Ele nunca
tinha emprego. Eu ficava pegando no pé dele: “Como você se
sustenta? Como você se sustenta?”. Afinal, ele confessou. “Meus
pais têm propriedades e eu cobro o aluguel para eles. Eles me pagam
um salário.” Ele ganhava um salário e tanto, imagino. De qualquer
forma, pelo menos ele me contou.
Alguns
nunca contam. Havia esse outro cara. Escrevia bons poemas, mas muito
poucos. Sempre tinha seu bom apartamento. Ou estava indo para o Havaí
ou algum outro lugar. Era um dos mais descontraídos. Sempre de
roupas novas e recém-passadas, de sapatos novos. Sempre bem
barbeado, de cabelo bem cortado; tinha dentes cintilantes. “Vamos
lá, cara, como você se sustenta?” Nunca falou. Nem mesmo sorria.
Só ficava lá parado, em silêncio.
E
também há um outro tipo que vive de caridade. Escrevi um poema
sobre um deles, mas nunca publiquei porque, no fundo, sentia pena
dele. Aqui está parte do poema:
João
com o cabelo solto, João exigindo dinheiro, João da barriga grande,
João da voz alta, alta, João da troca, João que se exibe para as
garotas, João que acha que é um gênio, João que vomita, João que
fala mal dos sortudos, João ficando cada vez mais velho, João ainda
exigindo dinheiro, João escorregando pelo pé de feijão, João que
fala mas não faz, João que escapa impune do assassinato, João que
faz biscates, João que fala dos velhos tempos, João que fala e
fala, João com a mão estendida, João que aterroriza os fracos,
João, o amargurado, João dos cafés, João implorando
reconhecimento, João que nunca tem emprego, João que superestima
totalmente seu potencial, João que fica gritando sobre seu talento
não reconhecido, João que culpa a todos.
Você
sabe quem é João, você o viu ontem, você o verá amanhã, você o
verá semana que vem.
Querendo
sem fazer, querendo de graça.
Querendo
fama, querendo mulheres, querendo tudo.
Um
mundo cheio de Joãos descendo pelo pé de feijão.
Já
estou cansado de escrever sobre poetas. Mas devo acrescentar que
estão prejudicando a si mesmos vivendo como poetas em vez de outra
coisa. Trabalhei como um trabalhador comum até os 50 anos. Vivia
espremido entre as pessoas. Nunca pretendi ser um poeta. Não estou
dizendo que trabalhar para viver seja uma grande coisa. Na maioria
das vezes, é horrível. E muitas vezes você tem que lutar para
manter um emprego horrível porque existem 25 caras atrás de você
prontos para pegar o mesmo emprego. É claro que é sem sentido, é
claro que te arrasa. Mas acho que estar nesta confusão me ensinou a
deixar a frescura de lado quando escrevia. Acho que você tem que
enfiar a cara na lama, de vez em quando, acho que você tem que saber
o que é uma prisão, o que é um hospital. Acho que você tem que
saber o que é ficar sem comer por uns quatro ou cinco dias. Acho que
viver com mulheres loucas faz bem para a espinha. Acho que você pode
escrever com satisfação e liberdade depois de passar pelo aperto.
Só digo isso porque todos os poetas que conheci têm sido uns
frouxos, uns parasitas. Não tinham nada para escrever, exceto sua
egoísta falta de persistência.
Sim,
fico longe dos POETAS. Você me culpa por isso?
Charles
Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros
tomaram conta do navio
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