sexta-feira, 24 de maio de 2019

O universo: uma orquestra

Os filósofos antigos e Kepler achavam que o universo era uma orquestra tocando música, cada astro era uma esfera sonora. Achavam também que a função da ciência era encontrar meios para escrever a partitura divina de forma que ouvidos mortais a pudessem ouvir, música que Deus estava tocando desde a Criação, como um cânon sem fim, girando sempre, girando sempre. A Igreja acreditava já ter encontrado essa música: era o canto gregoriano. E eu me sinto tentado a acreditar, seduzido que estou pelos maravilhosos hinos pré-gregorianos, do CD Officium, com Jan Garbarek e o Hilliard Ensemble (ECM Records). “Cada organismo é uma música que se toca...”
O corpo é um instrumento, piano, hardware de carne e osso no qual um software musical foi instalado. A alma é um buraco escuro onde moram músicas. Não tem importância que seja escuro. Para se ouvir música bem é bom ter os olhos fechados. Disse “piano”, mas poderia ter dito flauta, violino, viola de dez cordas, rabeca de artesão caipira, ou bateria...
Milan Kundera, especialista em estórias de amor, disse que assim é feita a vida, “composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado pelo sentido da beleza, toma o acontecimento fortuito e o transpõe musicalmente, para fazer dele um tema que, em seguida, fará parte de sua própria vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o, desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor com os temas da sua sonata. O homem inconscientemente compõe a sua vida segundo as leis da beleza, mesmo nos instantes do mais profundo desespero”.
Rubem Alves, in Variações sobre o prazer

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