Os
filósofos antigos e Kepler achavam que o universo era uma orquestra
tocando música, cada astro era uma esfera sonora. Achavam também
que a função da ciência era encontrar meios para escrever a
partitura divina de forma que ouvidos mortais a pudessem ouvir,
música que Deus estava tocando desde a Criação, como um cânon sem
fim, girando sempre, girando sempre. A Igreja acreditava já ter
encontrado essa música: era o canto gregoriano. E eu me sinto
tentado a acreditar, seduzido que estou pelos maravilhosos hinos
pré-gregorianos, do CD Officium, com Jan Garbarek e o
Hilliard Ensemble (ECM Records). “Cada organismo é uma música que
se toca...”
O
corpo é um instrumento, piano, hardware de carne e osso no
qual um software musical foi instalado. A alma é um buraco
escuro onde moram músicas. Não tem importância que seja escuro.
Para se ouvir música bem é bom ter os olhos fechados. Disse
“piano”, mas poderia ter dito flauta, violino, viola de dez
cordas, rabeca de artesão caipira, ou bateria...
Milan
Kundera, especialista em estórias de amor, disse que assim é feita
a vida, “composta como uma partitura musical. O ser humano, guiado
pelo sentido da beleza, toma o acontecimento fortuito e o transpõe
musicalmente, para fazer dele um tema que, em seguida, fará parte de
sua própria vida. Voltará ao tema, repetindo-o, modificando-o,
desenvolvendo-o e transpondo-o, como faz um compositor com os temas
da sua sonata. O homem inconscientemente compõe a sua vida segundo
as leis da beleza, mesmo nos instantes do mais profundo desespero”.
Rubem
Alves, in Variações sobre o prazer
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