sexta-feira, 24 de maio de 2019

O ópio

Tinha ruas inteiras dedicadas ao ópio... Sobre estrados baixos estendiam-se os fumadores... Eram os verdadeiros lugares religiosos da Índia... Não tinham nenhum luxo, nem tapetes, nem coxins de seda... Tudo eram madeiras sem pintar, cachimbos de bambu e almofadas de louça chinesa... Emanava um ar de decoro e austeridade que não existia nos templos... Os homens adormecidos não faziam movimento nem ruído... Fumei um cachimbo... Não era nada demais... Era só um fumo caliginoso, fraco e leitoso... Fumei quatro cachimbos e fiquei cinco dias doente, com náuseas que me vinham da espinha dorsal e que me desciam do cérebro... E um ódio ao sol e à existência... O castigo do ópio... Mas aquilo não podia ser tudo... Tanto se tinha dito, tanto se tinha escrito, tanto se tinha metido nas maletinhas e nas maletas, tratando de esconder das aduanas o veneno, o famoso veneno sagrado. Tinha que vencer o asco... Devia conhecer o ópio, saber do ópio, para dar meu testemunho... Fumei muitos cachimbos até que conheci... Não há sonhos, não há imagens, não há paroxismo... Há um enfraquecimento melódico, como se uma nota infinitamente suave se prolongasse na atmosfera... Um desvanecimento, um vazio dentro da gente... Qualquer movimento do cotovelo, da nuca, qualquer som distante de carro, uma buzina ou um grito na rua se integram num todo, de uma delícia recusante... Compreendi por que os peões de plantação, os jornaleiros, os rickshamen que puxam o ricksha o dia inteiro, logo se deixavam ficar ali, na penumbra, imóveis... O ópio não era o paraíso dos exóticos que me haviam pintado, mas a fuga dos explorados... Todos aqueles do salão de fumar eram pobres-diabos... Não tinha nenhum coxim bordado, nenhum indício da menor riqueza... Nada brilhava no recinto, nem sequer os olhos semicerrados dos fumadores... Descansavam, dormiam?... Nunca soube... Ninguém falava... Ninguém falava nunca... Não havia móveis, tapetes, nada... Sobre os estrados gastos, polidos de tanto contato humano, viam-se pequenas almofadas de madeira... Nada mais a não ser o silêncio e o aroma do ópio, estranhamente repulsivo e poderoso... Sem dúvida existia ali um caminho para o aniquilamento... O ópio dos magnatas, dos colonizadores, destinava-se aos colonizados... Os salões de fumar tinham à porta sua licença autorizada, seu número e sua patente... No interior reinava um grande silêncio opaco, uma inação que amortecia a desdita e tornava doce o cansaço... Um silêncio caliginoso, sedimento de muitos sonhos truncados que achavam seu remanso... Aqueles que sonhavam com os olhos entrecerrados estavam vivendo uma hora submersos sob o mar, uma noite inteira em uma colina, gozando de um repouso sutil e deleitoso... Desde então não voltei mais aos salões de fumar... Já sabia... Já conhecia... Já tinha apalpado algo inatingível... remotamente oculto atrás do fumo…
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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