Tive
uma surpresa jamais sonhada, surpresa feliz. Faz uns tempos, escrevi
um artigo cujo assunto era a forma como as relações de aprendizagem
e ensino se dão através das pontes poéticas que o amor constrói.
Uma dessas pontes tem o nome de “metáfora”, que faz ligações
entre coisas parecidas. No filme O carteiro e o poeta, o
carteiro diz que se sentia como um “barco batido pelas ondas”.
Essa metáfora ligou a sua alma a um barco. Eles se pareciam.
“Metonímia” é quando uma imagem nos conduz a relações de
proximidade. Tenho um peso de papel sem valor que o meu pai me deu. É
claro que ele não se parece com o meu pai. Não é metáfora. Mas
foi objeto do meu pai. Ficava na sua mesa de trabalho. Por isso,
porque o peso de papel e o meu pai estiveram juntos, o peso de papel
me faz lembrar o meu pai. No dito artigo, que se chamou “Aprendo
porque amo”, o assunto era a metonímia. Contei então uma
experiência infantil, quando eu estava no primeiro ano do Grupo
Escolar Brasil, na cidade de Varginha. Minha professora era a dona
Clotilde, uma jovem senhora de respeito. Pois ela fazia o seguinte:
assentava-se numa cadeira bem no meio da sala, num lugar onde todos
os alunos a veriam, e ia desabotoando a blusa até o estômago, ante
nossos olhares assustados. Ela não se dava conta do nosso susto
porque aquilo que ela estava fazendo era-lhe perfeitamente natural.
Aí ela enfiava a mão dentro da blusa e puxava para fora um seio
lindo, liso, branco... E nós, meninos, de boca aberta... Mas o
encantamento não durava mais que cinco segundos porque ela logo
pegava o seu nenezinho e o punha para mamar. Toda mãe fazia assim.
Mas nós, meninos, ficávamos sentindo coisas estranhas que não
entendíamos. Somente o corpo sabia. Terminada a aula, os meninos
faziam fila junto à dona Clotilde, pedindo para carregar a pasta.
Quem recebia a pasta era um felizardo, invejado. Aquela pasta não
era pasta. Era uma metonímia do objeto desejado, proibido, o seio da
dona Clotilde... Aí inventei um ditado que ninguém entende: “Quem
não tem seio carrega pasta...”. Essa estória, aplicada à
pedagogia, serve para mostrar que, frequentemente, os alunos aprendem
as coisas mais difíceis (carregam a pasta) em virtude de sua relação
amorosa com o professor, relação de respeito e admiração. Pois a
surpresa foi esta, acontecida na cidade de Cambuquira, bem pequena,
cheia de matas, de águas minerais... Fui lá fazer uma fala. Contei
o caso da metonímia da dona Clotilde. Todo mundo riu. Ao final veio
a surpresa. Disseram-me que a dona Clotilde está viva. Noventa e
dois anos de idade. Mas o assombroso é que ela, aos noventa anos,
defendeu tese de mestrado. E sua cabeça está mais lúcida do que
nunca, cheia de indagações metafísicas... Que alegria!
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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