Sábado
- o dia da Criação - cheguei ao Zum-Zum para fazer meu show com
Caymmi e fui encontrar o baiano, como sempre, aboletado na copa, de
papo com seus amigos, os garçons da boate. Paulinho Soledade, que eu
desconfio fez o Zum-Zum (a dois passos de seu apartamento) muito mais
para deleite próprio que do alheio (o que constitui um certificado
de garantia) tem neste momento a melhor equipe de serviço da noite
carioca: um pessoal que, desde o mâitre até o último
garçom, é simpático, eficiente e devotado à casa. Adolfo, o
porteiro, por exemplo, que acaba de perder o irmão e quatro
sobrinhos no rolamento da pedra da rua Euclides da Rocha, está lá
firme no seu posto, imerso em sofrimento mas nunca desatento: uma
instituição da noite!
Caymmi
anda no auge da forma. Com a chegada de Nana, a sua "oncinha",
e dos netinhos, da Venezuela, o baiano está nos seus quintais. Tudo
nele respira saúde moral e realização. Não fosse a ausência de
seu caçula Danilo, o flautista, a quem Caymmi mandou numa excursão à
Europa, e sua felicidade seria integral. Dori está se firmando cada,
vez mais como um dos jovens compositores mais importantes da última
safra. E Stela, sua mulher, é aquele baluarte. De que mais precisa
um homem?
Pedimos
cada um um uisquinho, e eu disse a Caymmi:
-
Você sabe, meu Caymmi, o que um bombeiro disse a meu filho Pedro?
Simplesmente o seguinte: que tem uma pedra ali em cima do túnel da
Barata Ribeiro, que pela sua tonelagem, se cair vai até a Nossa
Senhora de Copacabana, fácil.
-
Não me diga...
-
Isso não é nada. Atrás de onde eu moro, ali na rua Diamantina, ao
sopé do Corcovado, tem uma outra pedra, que, essa, vai cair mesmo.
Os bombeiros estiveram lá e já fizeram evacuar três edifícios de
apartamentos que ficam na trajetória de sua queda. Ela deve pesar
umas dez toneladas.
Caymmi
considerou seu uísque.
-
Pois é, seu poeta... Veja você... Tudo por causa disto.
E
apontou com os olhos um jarro de água à sua frente. Depois, seu
olhar baixou um instante e ele se deixou estar, pensando...
-
Ela tem um ar tão inocente, mas não é? Tão fresca, tão
clarinha... No entanto, ninguém sabe o mal que isso faz!
Olhou-me
de soslaio, num sestro muito seu:
-
É capaz de devastar uma cidade...
Novo
olhar:
-
Dá tifo...
Mais
outro:
-
É por essas e outras que Dorival Caymmi nunca põe água no uísque.
E
bebendo uma golada do seu, puro e sem gelo:
-
É, meu irmão... Água é fogo!
Vinicius
de Moraes, in Prosa
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