sábado, 18 de maio de 2019

Começa a aventura

Foi ele que interrompeu essa meditação. Apareceu de repente na moldura da porta de vidro do bar e veio ao meu encontro, com trejeitos e gestos expressivos na direção de uma moça sentada a uma mesa, diante de uma xícara de café. Sentou-se a meu lado sem desviar os olhos dela e me perguntou: — O que você acha?
Fiquei encabulado. Era verdade: estava de tal maneira mergulhado na leitura do meu livro que ainda não havia reparado na moça; tinha de admitir que era bonita. No mesmo instante, ela endireitou o busto, chamando o maître de gravata borboleta preta: queria a conta.
A nossa também! — pediu Martin.
Já pensávamos que teríamos de nos apressar para segui-la na rua, mas tivemos sorte, pois ela ainda parou no vestiário. Tinha deixado ali uma sacola que uma empregada fora apanhar não sei onde, antes de colocá-la à sua frente em cima do balcão. Em seguida a moça deu uns trocados à empregada, e nesse momento Martin me arrancou das mãos o meu grosso livro alemão.
Vamos colocar isto aqui — disse ele com um desplante natural, enfiando cuidadosamente o livro dentro da sacola da jovem, que pareceu espantada mas não soube o que dizer.
Não é fácil ficar com isso na mão — disse ainda Martin, reclamando que eu não sabia me comportar, pois a moça se dispunha a carregar pessoalmente a sacola.
Ela era enfermeira num hospital do interior. Tinha dado um pulo a Praga e precisava se apressar para pegar de volta o seu ônibus. Bastou que a levássemos ao ponto do bonde para saber o essencial a respeito dela e combinar que iríamos a B... no sábado seguinte, a fim de reencontrar essa criatura encantadora que, como Martin não deixou de frisar com eloquência, deveria ter uma colega bonitinha.
O bonde aproximava-se lentamente. Estendi a sacola para a moça, que fez menção de retirar dela o livro, o que Martin impediu com um gesto magnânimo; que ela o devolvesse no sábado seguinte e que até lá o folheasse... Ela ria com um riso constrangido. O bonde a levou embora e nós lhe acenamos efusivamente.
Eu nada podia fazer. O livro há tanto tempo esperado de repente se encontrava perigosamente distante; considerando as coisas com frieza, isso era bastante lamentável. Mas não sei que loucura me fazia embarcar em suas asas prontamente abertas. Martin, sem perder um minuto, começou a procurar as desculpas que daria à mulher no sábado à tarde e na noite de sábado para domingo (pois é assim: Martin é casado, tem uma mulher jovem e, o que é pior, ele a ama; e, o que é pior ainda, ele tem medo; e, o que é ainda bem pior, tem medo por ela).
Milan Kundera, in Risíveis Amores

Nenhum comentário:

Postar um comentário