Depois
de anos de discussão, a Academia de Estocolmo, a Fundação
Gulbenkian e o pen Club Internacional, reunidos sob os auspícios da
Unesco, obtiveram que esta proclamasse solenemente as 25 obras-primas
de literatura de todos os séculos e povos, considerando-as
patrimônio cultural da humanidade.
O
escritor Elpídio Nosferatu não se conformou com esta resolução e
empreendeu a batalha para ser excluído da relação o Édipo rei,
de Sófocles, alegando ser suscetível de discussão a superioridade
do seu autor sobre Ésquilo. No lugar, pleiteava a inclusão do seu
romanpoensaio em três dimensões O dodói de Abílio
Terciomundista, bem superior a toda a dramaturgia grega. Elpídio
era visto simultaneamente na Europa e na América, debatendo com
professores e críticos, concedendo entrevistas, expedindo
telegramas, promovendo simpósios em favor de sua causa.
As
instituições responsáveis pela relação de obras-primas
recusaram-se a atendê-lo, mas ele foi incansável, para não dizer
implacável, na postulação. Propôs-se a Abílio uma declaração
subsidiária, que ele repeliu, declarando sua obra digna de menção
honrosa. Pediu audiência ao papa, à Assembleia Geral da ONU, aos
soberanos reinantes e presidentes de República em exercício.
A
ideia de interná-lo deixou de consumar-se, por falta de apoio legal.
Abílio formou uma legião de adeptos que clamavam por justiça, e
houve encontros armados em torno de sua pessoa. Temendo a erupção
de uma guerra literária, a somar-se às outras que flagelam a
humanidade, a Unesco declarou sem efeito a relação de
obras-mestras, mas ficou na mente do povo a ideia de que o Dodói
era, não igual, mas superior a todas as vinte e cinco.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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