quinta-feira, 30 de maio de 2019

A 26ª obra-prima

Depois de anos de discussão, a Academia de Estocolmo, a Fundação Gulbenkian e o pen Club Internacional, reunidos sob os auspícios da Unesco, obtiveram que esta proclamasse solenemente as 25 obras-primas de literatura de todos os séculos e povos, considerando-as patrimônio cultural da humanidade.
O escritor Elpídio Nosferatu não se conformou com esta resolução e empreendeu a batalha para ser excluído da relação o Édipo rei, de Sófocles, alegando ser suscetível de discussão a superioridade do seu autor sobre Ésquilo. No lugar, pleiteava a inclusão do seu romanpoensaio em três dimensões O dodói de Abílio Terciomundista, bem superior a toda a dramaturgia grega. Elpídio era visto simultaneamente na Europa e na América, debatendo com professores e críticos, concedendo entrevistas, expedindo telegramas, promovendo simpósios em favor de sua causa.
As instituições responsáveis pela relação de obras-primas recusaram-se a atendê-lo, mas ele foi incansável, para não dizer implacável, na postulação. Propôs-se a Abílio uma declaração subsidiária, que ele repeliu, declarando sua obra digna de menção honrosa. Pediu audiência ao papa, à Assembleia Geral da ONU, aos soberanos reinantes e presidentes de República em exercício.
A ideia de interná-lo deixou de consumar-se, por falta de apoio legal. Abílio formou uma legião de adeptos que clamavam por justiça, e houve encontros armados em torno de sua pessoa. Temendo a erupção de uma guerra literária, a somar-se às outras que flagelam a humanidade, a Unesco declarou sem efeito a relação de obras-mestras, mas ficou na mente do povo a ideia de que o Dodói era, não igual, mas superior a todas as vinte e cinco.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

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