Bem,
ando pra cima e pra baixo entre a novela, o poema e o hipódromo e
ainda estou vivo. Não tem muita coisa acontecendo no hipódromo, não
consigo me livrar da humanidade e aqui estou. E também tem a
estrada, chegar lá e voltar. A freeway sempre me faz lembrar do que
é a maioria das pessoas. É uma sociedade competitiva. Eles querem
que você perca para que possam ganhar. É inato e muito disso
aparece na estrada. Os que dirigem devagar querem bloquear o seu
caminho, os que dirigem rápido querem passar por você. Me mantenho
a 110, assim ultrapasso e sou ultrapassado. Os motoristas rápidos
não me incomodam. Saio da sua frente e deixo que passem. Os
vagarosos é que são irritantes, os que andam a 90 na pista rápida.
E algumas vezes você pode ficar engavetado. Você enxerga o
suficiente da cabeça e do pescoço do motorista da frente pra fazer
uma leitura. A leitura é que esta pessoa tem a alma adormecida e, ao
mesmo tempo, amargurada, grosseira, cruel e burra.
Escuto
uma voz me dizendo: “Você é burro em pensar assim. Você é que é
burro”.
Há
sempre os que defendem os subnormais na sociedade porque não se dão
conta de que os subnormais são subnormais. E a razão por que não
se dão conta é que eles também são subnormais. Temos uma
sociedade subnormal e é por isso que fazem o que fazem e fazem aos
outros o que fazem. Mas é problema deles e eu não me importo, a não
ser que tenha que viver com eles.
Lembro
de jantar uma vez com um grupo de pessoas. Numa mesa ao lado havia um
outro grupo de pessoas. Falavam alto e riam. Mas sua risada era
totalmente falsa, forçada. Continuavam sem parar.
Finalmente,
disse para as pessoas da nossa mesa: “É muito chato, não?”.
Uma
das pessoas da nossa mesa virou-se para mim, deu um sorriso
enternecido e disse: “Gosto quando as pessoas estão felizes”.
Não
respondi. Mas senti um buraco negro e escuro se formando nas minhas
entranhas. Bem, e daí? Você faz uma leitura das pessoas nas
estradas.
Você
faz uma leitura das pessoas em mesas de jantar. Você faz uma leitura
das pessoas nos supermercados etc. etc. É a mesma leitura. O que
você pode fazer? Você as evita e espera. Toma mais um drinque.
Também gosto quando as pessoas estão felizes. Só que não tenho
visto muitas.
Assim,
fui hoje ao hipódromo e me sentei no meu lugar. Havia um cara usando
um boné de trás pra frente. Um desses bonés que dão grátis no
hipódromo. Dia grátis. Estava com seu programa das corridas e uma
gaita de boca. Pegou a gaita e soprou. Não sabia tocar. Só soprava.
E também não era a escala de 12 tons de Schoenberg. Era uma escala
de dois ou três tons. Ficava sem ar e pegava o programa.
Na
minha frente, sentaram os mesmos três caras que estiveram lá a
semana toda. Um cara de uns 60 anos que sempre usava roupas marrons e
um chapéu marrom. Ao seu lado, sentava um outro velho, de uns 65
anos, com o cabelo muito branco, branco como a neve, de pescoço
torto e ombros redondos. Ao seu lado, estava um oriental de uns 45
anos que fumava o tempo todo. Antes de cada páreo, discutiam em que
cavalo iam apostar. Havia esses incríveis apostadores, como o Gritão
Maluco, de quem já falei pra vocês antes. Vou dizer por quê. Tenho
sentado atrás deles há duas semanas. E nenhum deles escolheu um
vencedor. E apostaram nas barbadas também, isto é, pules que
pagavam 2 e 7 ou 8. Isto é, talvez, 45 páreos vezes três escolhas.
São 135 escolhas sem um vencedor. Uma estatística realmente
fantástica. Pensem nisso. Digamos que cada um deles escolhesse um
número como 1 ou 2 ou 3 e ficasse com ele, automaticamente
escolheria um vencedor. Mas, pulando de número, de alguma forma
conseguiram, usando todo seu poder cerebral e know-how,
continuar perdendo. Por que continuam vindo ao hipódromo? Não se
envergonham da sua inaptidão? Não, há sempre um próximo páreo.
Algum dia vão ganhar. Bastante.
Vocês
devem compreender então, quando volto do hipódromo e saio da
estrada, por que este computador parece tão legal pra mim. É uma
tela em branco para colocar palavras. Minha mulher e meus nove gatos
parecem ser os gênios do mundo. E são.
Charles
Bukowski, in O capitão saiu do navio e os marinheiros tomaram
conta do navio
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