domingo, 19 de maio de 2019

18/01/92 - 23:59

Bem, ando pra cima e pra baixo entre a novela, o poema e o hipódromo e ainda estou vivo. Não tem muita coisa acontecendo no hipódromo, não consigo me livrar da humanidade e aqui estou. E também tem a estrada, chegar lá e voltar. A freeway sempre me faz lembrar do que é a maioria das pessoas. É uma sociedade competitiva. Eles querem que você perca para que possam ganhar. É inato e muito disso aparece na estrada. Os que dirigem devagar querem bloquear o seu caminho, os que dirigem rápido querem passar por você. Me mantenho a 110, assim ultrapasso e sou ultrapassado. Os motoristas rápidos não me incomodam. Saio da sua frente e deixo que passem. Os vagarosos é que são irritantes, os que andam a 90 na pista rápida. E algumas vezes você pode ficar engavetado. Você enxerga o suficiente da cabeça e do pescoço do motorista da frente pra fazer uma leitura. A leitura é que esta pessoa tem a alma adormecida e, ao mesmo tempo, amargurada, grosseira, cruel e burra.
Escuto uma voz me dizendo: “Você é burro em pensar assim. Você é que é burro”.
Há sempre os que defendem os subnormais na sociedade porque não se dão conta de que os subnormais são subnormais. E a razão por que não se dão conta é que eles também são subnormais. Temos uma sociedade subnormal e é por isso que fazem o que fazem e fazem aos outros o que fazem. Mas é problema deles e eu não me importo, a não ser que tenha que viver com eles.
Lembro de jantar uma vez com um grupo de pessoas. Numa mesa ao lado havia um outro grupo de pessoas. Falavam alto e riam. Mas sua risada era totalmente falsa, forçada. Continuavam sem parar.
Finalmente, disse para as pessoas da nossa mesa: “É muito chato, não?”.
Uma das pessoas da nossa mesa virou-se para mim, deu um sorriso enternecido e disse: “Gosto quando as pessoas estão felizes”.
Não respondi. Mas senti um buraco negro e escuro se formando nas minhas entranhas. Bem, e daí? Você faz uma leitura das pessoas nas estradas.
Você faz uma leitura das pessoas em mesas de jantar. Você faz uma leitura das pessoas nos supermercados etc. etc. É a mesma leitura. O que você pode fazer? Você as evita e espera. Toma mais um drinque. Também gosto quando as pessoas estão felizes. Só que não tenho visto muitas.
Assim, fui hoje ao hipódromo e me sentei no meu lugar. Havia um cara usando um boné de trás pra frente. Um desses bonés que dão grátis no hipódromo. Dia grátis. Estava com seu programa das corridas e uma gaita de boca. Pegou a gaita e soprou. Não sabia tocar. Só soprava. E também não era a escala de 12 tons de Schoenberg. Era uma escala de dois ou três tons. Ficava sem ar e pegava o programa.
Na minha frente, sentaram os mesmos três caras que estiveram lá a semana toda. Um cara de uns 60 anos que sempre usava roupas marrons e um chapéu marrom. Ao seu lado, sentava um outro velho, de uns 65 anos, com o cabelo muito branco, branco como a neve, de pescoço torto e ombros redondos. Ao seu lado, estava um oriental de uns 45 anos que fumava o tempo todo. Antes de cada páreo, discutiam em que cavalo iam apostar. Havia esses incríveis apostadores, como o Gritão Maluco, de quem já falei pra vocês antes. Vou dizer por quê. Tenho sentado atrás deles há duas semanas. E nenhum deles escolheu um vencedor. E apostaram nas barbadas também, isto é, pules que pagavam 2 e 7 ou 8. Isto é, talvez, 45 páreos vezes três escolhas. São 135 escolhas sem um vencedor. Uma estatística realmente fantástica. Pensem nisso. Digamos que cada um deles escolhesse um número como 1 ou 2 ou 3 e ficasse com ele, automaticamente escolheria um vencedor. Mas, pulando de número, de alguma forma conseguiram, usando todo seu poder cerebral e know-how, continuar perdendo. Por que continuam vindo ao hipódromo? Não se envergonham da sua inaptidão? Não, há sempre um próximo páreo. Algum dia vão ganhar. Bastante.
Vocês devem compreender então, quando volto do hipódromo e saio da estrada, por que este computador parece tão legal pra mim. É uma tela em branco para colocar palavras. Minha mulher e meus nove gatos parecem ser os gênios do mundo. E são.
Charles Bukowski, in O capitão saiu do navio e os marinheiros tomaram conta do navio

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