Pela
manhã, ele começou a amontoar os sacos de areia, diante de sua
casa. Tinha levado anos na preparação deste momento. Começou
estocando sacos vazios. Primeiro de farinha de trigo, depois de
estopa. Finalmente se contentou com sacos de cimento e cal. Era
preciso frequentar padarias, pedir, comprar, rondar construções,
escolher, passar por armazéns, ficar amigo dos atacadistas de
cereais, de arroz, de batata.
Tinha
se tornado profundo conhecedor de sacos. O melhor tipo para açúcar
refinado, a melhor malha para cebola e batata. Como devia ser a trama
para o de arroz. Era preciso examinar bem, ver se não havia fios
soltos, fios que se puxavam, remendos que podiam estourar.
Os
sacos vazios de cal e cimento eram um problema. Os pedreiros não
tinham cuidado ao abrir. Dilaceravam a boca, inutilizavam a embalagem
inteira. Ele pensou em fazer um curso especial, para ensinar pedreiro
a abrir saco, puxando-se o fio da boca, depois tirando a faixa de
papel grosso. Desistiu ao ver que nenhum empreiteiro aprovou, nem ia
permitir aos empregados perder quinze minutos diários com o curso.
A
princípio, para guardar os sacos, utilizou um antigo quarto de
empregada. Depois, um depósito de garrafas, jornais velhos, bujões
de gás, móveis quebrados que ninguém nunca joga fora, vasos
rachados, pratos desbeiçados, caixotes, arames, tapetes, livros sem
capa, revistas, ferramentas, bocais de lâmpada, pedaços de fios de
luz, roupas, sapatos. Amontoou tudo na calçada para o lixeiro. E viu
os vizinhos ciscando e levando um chinelo só, uma pilha gasta, latas
vazias, vidros de geleia.
O
depósito lotou. E também o antigo quarto do filho. Um canto da
cozinha. O próprio quarto. A sala de visitas. De jantar. A garagem.
Vendeu o carro, os móveis, os quadros, conservou apenas o fogão,
onde todos os dias fazia café, omelete e fritava bifes prontos de
supermercado.
Quando
a casa se encheu, ele alugou a do vizinho. Fez um puxado nos fundos.
Um dia, verificou que tinha 82.354 sacos. Precisava ainda de 17.698.
Descobriu que fabricavam sacos plásticos, resistentes. Mas era
preciso comprar, os usados nunca eram bons. Arranjou horas extras,
alugava-se aos sábados e domingos para qualquer tipo de trabalho.
Era hábil com as mãos, sabia fazer coisas excelentes que agradavam
as donas de casa. Homem sociável, oferecia-se aos domingos para
distrair convidados de almoços, churrascos, feijoadas. Tinha a
função de não deixar a conversa cair. Fornecia temas, contava
piadas. Chegou a cantar durante uma festa de crianças.
Cuidava
de bebês, contava histórias, levava as pessoas ao teatro, explicava
as peças, escolhia presentes de aniversário, pintava casas,
consertava rádio, televisão, colocava vidros, trocava lâmpadas,
apontava lápis, regava jardins, formava hortas, comprava passagens,
dava informações sobre horários de trens, ônibus, aviões,
conhecia o leite bom, o aguado, sabia fazer coalhada, inventava
jogos, pulava amarelinha, uma na mula, desenhava, construía aviões
e barcos dobrando papéis. Fazia, com prazer, todas as coisas que
detestava e que formavam o seu mundo.
Um
dia, deu a tarefa por terminada. Naquela manhã, ao olhar-se no
espelho, sentiu-se contente, rosto transformado. Viu, com alegria,
que o brilho satisfeito dos olhos tinha desaparecido, que a boca era
retorcida, como se sofresse uma grande dor. Descobriu rugas profundas
e olheiras. Estava na hora.
Encheu
o primeiro saco de areia. Colocou diante da casa. A tarefa agora
tinha mudado. Precisava apenas de areia. Os próximos anos passou
procurando areia, roubando de construções, buscando na praia. E
quando terminou, tinha amontoado, em volta de sua casa, cem mil e
cinquenta e dois sacos de areia.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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