No
fim, tudo se deve à comida insossa. Quando os mongóis e os turcos
interromperam o suprimento por terra dos condimentos do Oriente, a
era dos descobrimentos começou. A Europa descobriu que não podia
viver sem tempero e lançou-se ao mar e à conquista de rotas
alternativas para o cominho e, por acidente, outros mundos.
A
América é um produto do paladar europeu. Toda a grande aventura
imperial foi aromática, tangida pela pimenta e o gengibre, a hortelã
e a noz-moscada. Homens rudes lançavam-se contra o desconhecido e a
morte pelo rosmaninho. Navios inteiros eram tragados pelo mar e
deixavam, na superfície, irônicas sopas de ervas. Até a poluição
era inocente: se se rompesse um porão de navio, as praias se cobriam
de grãos de mostarda, as gaivotas se intoxicavam com favos de
baunilha. Desastre ecológico era quando os peixes engoliam alho,
cebola e alcaparras e já vinham à tona prontos para a panela.
Outras
fomes eram servidas, claro. A de ouro, a de prata, a de espaço. E a
de sexo, pois as mulheres européias também eram sem sal.
Descobriu-se que o comércio de escravos era mais rentável do que o
comércio de especiarias e não houve nenhum escrúpulo, ou
reticência poética, em fazer a adaptação. Mas os novos mundos
continuaram a ser governados pelo paladar da Europa. Não dá para
calcular quanta gente morreu nos navios negreiros ou no trabalho
escravo para que a classe operária inglesa tivesse açúcar no seu
chá todos os dias, por exemplo. E é por falta de condimentos
parecidos onde eles vivem que turistas europeus continuam
desembarcando no Nordeste do Brasil para comer adolescentes.
A
especiaria de hoje é a droga e não deixa de ser apropriado que
cocaína pareça açúcar. O apetite servido é pelo delírio, não
mais pela noz-moscada, e a carga viaja escondida. Quem transporta
drogas é chamado de “mula” e há no apelido uma vaga evocação
das caravanas do Oriente que enfrentavam bárbaros e ursos — em vez
de fiscais na alfândega — só para dar uma sensação à Europa.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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