Sim,
estou apaixonado por Macabéa a minha querida Maca, apaixonado pela
sua feiúra e anonimato total pois ela não é para ninguém.
Apaixonado por seus pulmões frágeis, a magricela. Quisera eu tanto
que ela abrisse a boca e dissesse:
– Eu
sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém; todos mentem, às
vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro,
a verdade só me vem quando estou sozinha. Maca, porém, jamais disse
frases, em primeiro lugar por ser de parca palavra. E acontece que
não tinha consciência de si e não reclamava nada, até pensava que
era feliz. Não se tratava de uma idiota mas tinha a felicidade pura
dos idiotas. E também não prestava atenção em si mesma: ela não
sabia. (Vejo que tentei dar a Maca uma situação minha: eu preciso
de algumas horas de solidão por dia senão “me muero”.)
Quanto
a mim, só sou verdadeiro quando estou sozinho. Quando eu era pequeno
pensava que de um momento para outro eu cairia para fora do mundo.
Por que as nuvens não caem, já que tudo cai? É que a gravidade é
menor que a força do ar que as levanta. Inteligente, não é? Sim,
mas caem um dia em chuva. É a minha vingança.
Nada
contou a Glória porque de um modo geral mentia: tinha vergonha da
verdade. A mentira era tão mais decente. Achava que boa educação é
saber mentir. Mentia também para si mesma em devaneio volátil na
sua inveja da colega. Glória, por exemplo, era inventiva: Macabéa
viu-a se despedir de Olímpico beijando a ponta dos próprios dedos e
jogando o beijo no ar como se solta passarinho, o que Macabéa nunca
pensaria em fazer.
(Esta
história são apenas fatos não trabalhados de matéria-prima e que
me atingem direto antes de eu pensar. Sei muita coisa que não posso
dizer. Aliás pensar o quê?) Glória, talvez por remorso, disse-lhe:
– Olímpico
é meu mas na certa você arranja outro namorado: Eu digo que ele é
meu porque foi o que a minha cartomante me disse e eu não quero
desobedecer porque ela é médium e nunca erra. Por que você não
paga uma consulta e pede pra ela te pôr as cartas?
– É
muito caro?
Estou
absolutamente cansado de literatura; só a mudez me faz companhia. Se
ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto
espero a morte. A procura da palavra no escuro. O pequeno sucesso me
invade e me põe no olho da rua. Eu queria chafurdar no lodo, minha
necessidade de baixeza eu mal controlo, a necessidade da orgia e do
pior gozo absoluto. O pecado me atrai, o que é proibido me fascina.
Quero ser porco e galinha e depois matá-los e beber-lhes o sangue.
Penso no sexo de Macabéa, miúdo mas inesperadamente coberto de
grossos e abundantes pêlos negros — seu sexo era a única marca
veemente de sua existência. Ela nada pedia mas seu sexo exigia, como
um nascido girassol num túmulo. Quanto a mim, estou cansado. Talvez
da companhia de Macabéa, Glória, Olímpico. O médico me enjoou com
sua cerveja. Tenho que interromper esta história por uns três dias.
Nestes
últimos três dias, sozinho, sem personagens, despersonalizo-me e
tiro-me de mim como quem tira uma roupa. Despersonalizo-me a ponto de
adormecer.
Clarice
Lispector, in A hora da estrela
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