É
uma orquestra desarmônica por excelência. O maestro faz o possível
para lançar a discórdia entre os instrumentos, e extrai disso um
belo efeito. A trompa e o fagote não se cumprimentam, e ambos vivem
de implicância com o oboé, que por sua vez trata o clarinete com
soberano desdém. A flauta doce desmente seu nome, recusando o
diálogo com o corne inglês. E os violinos planejam sequestrar o
contrabaixo. Trompas e timbales têm ar feroz. O mais, nessa mesma
linha de agressividade.
Como
pode uma orquestra assim povoada de desavenças alcançar tamanho
êxito em suas audições? O público ouve-a em religioso silêncio.
Sucedem-se as turnês pelos estados, e há convites do exterior, que
ainda não puderam ser atendidos.
Devo
afirmar, a bem da verdade, que a execução dos concertos é
impecável, e como cada instrumento deseja não apenas suplantar,
como até expulsar os demais do conjunto, há competição acirrada
em torno de quem é capaz de tocar melhor. O rancor conduz a
resultados sublimes, que a crítica não sabe como explicar. A
orquestra apura cada vez mais suas ambições, e teme-se que no auge
de seu esplendor ocorra um assassinato nas cordas.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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