sexta-feira, 12 de abril de 2019

31/10/91 - 00:27

Dia horrível no hipódromo, não tanto em dinheiro perdido, talvez até tenha ganho um pouco, mas a sensação lá estava horrível. Era como se eu estivesse perdendo tempo e, sabe, não me resta muito tempo. Os mesmos rostos, a mesma taxa de 18 por cento. Às vezes, me sinto como se estivéssemos todos presos num filme. Sabemos nossas falas, onde caminhar, como atuar, só que não há uma câmera. No entanto, não conseguimos sair do filme. E é um filme ruim. Conheço os funcionários dos guichês bem demais. Às vezes, conversamos um pouco enquanto faço as apostas. Gostaria de encontrar um funcionário indiferente, que simplesmente furasse minhas pules e não dissesse nada. No fim, todos se tornam sociáveis. Estão de saco cheio. E também estão em guarda: muitos dos jogadores são um pouco malucos. Com frequência, há brigas com os funcionários, sirenes soam alto e a segurança vem correndo. Falando conosco, os funcionários podem ter uma ideia sobre nós. Sentem-se mais seguros assim. Preferem o apostador amistoso.
Para mim, os jogadores são mais fáceis. Os regulares sabem que sou algum tipo de louco e que não quero falar com eles. Estou sempre trabalhando em um novo sistema, muitas vezes mudo de sistema no meio do caminho. Estou sempre tentando fazer com que os números se encaixem ao redor da possibilidade real, tentando codificar a loucura em um simples número ou grupo de números. Quero entender a vida, acontecimentos na vida. Li um artigo que afirmava que já faz um longo tempo que, no xadrez, se acreditava que um rei, um bispo e uma torre eram iguais a um rei e dois cavalos. Uma máquina Los Alamos com 65.536 processadores foi colocada em funcionamento no programa. O computador solucionou o problema em cinco horas, depois de levar em conta 100 bilhões de jogadas, trabalhando para trás, a partir da posição de vitória. Descobriu que o rei, a torre e o bispo poderiam derrotar o rei e os dois cavalos em 223 jogadas. Isto foi absolutamente fascinante para mim. Certamente é melhor que o jogo tedioso, mesquinho de apostar em cavalos.
Acho que trabalhei demais na minha vida como trabalhador comum. Trabalhei como tal até os 50 anos. Aqueles desgraçados me acostumaram a ir a algum lugar todos os dias e ficar nesse lugar por muitas horas e depois voltar. Me sinto culpado de só ficar rolando por aí. Assim, me encontro no hipódromo, de saco cheio e, ao mesmo tempo, enlouquecendo. Reservo as noites para o computador ou para beber ou para ambos. Alguns dos meus leitores acham que adoro cavalos, que a ação me excita, que sou um apostador tarado, um machão. Recebo livros pelo correio sobre cavalos, corridas de cavalos, histórias sobre o hipódromo etc. Não dou a mínima pra isso. Vou ao hipódromo quase com relutância. Sou idiota demais para imaginar outro lugar para ir. Onde, onde, durante o dia? Os Jardins Suspensos? Um cinema? Diabos, me ajudem, não posso ficar sentado com senhoras e a maioria dos homens da minha idade morreu e, se não morreu, deveria estar morta, porque com certeza parecem mortos.
Tentei ficar longe do hipódromo, mas daí fico muito nervoso e deprimido e, de noite, não sobra gás para o computador. Acho que tirar a minha bunda daqui me força a olhar para a Humanidade, e quando você olha a Humanidade você TEM que reagir. É um excesso, um contínuo espetáculo de horrores. É, fico de saco cheio lá, aterrorizado aqui fora, mas também sou, até agora, um tipo de estudante. Um estudante do inferno.
Quem sabe? Daqui a alguns dias posso estar preso à cama. Vou ficar deitado, pintando sobre folhas de papel coladas na parede. Vou pintá-las com um longo pincel e provavelmente até goste disso.
Mas, nesse momento, são os rostos dos jogadores, rostos de papelão, rostos horríveis, maus, vazios, avarentos, moribundos, dia após dia. Rasgando suas pules, lendo seus vários jornais, olhando as alterações no placar à medida que são moídos, se tornando cada vez menores, enquanto eu fico lá com eles, como um deles. Somos doentes, o peixe-piolho da esperança. Nossas roupas pobres, nossos carros velhos. Nos movemos em direção à miragem, nossas vidas são desperdiçadas, como as de todo mundo.
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

Nenhum comentário:

Postar um comentário