terça-feira, 2 de abril de 2019

22/10/91 - 16:46

A vida perigosa. Tive que levantar às oito horas para dar comida para os gatos porque o cara da Segurança Westec vinha às oito e meia para começar a instalar um sistema mais sofisticado de alarme. (Era eu o cara que costumava dormir em cima de latas de lixo?)
A Segurança Westec chegou exatamente às oito e meia. Um bom sinal. Levei-o ao redor da casa mostrando janelas, portas etc. Bom, bom. Colocaríamos fios nelas, instalaríamos detectores para quebra de vidros, sensores baixos, sensores cruzados, aspersores para incêndio etc. Linda desceu e fez algumas perguntas. Ela é melhor nisso do que eu.
Me veio um pensamento: “Quanto tempo isso vai demorar?”.
Três dias”, ele disse.
Jesus Cristo”, disse eu. (Dois desses dias o hipódromo estaria fechado.)
Assim, demos um tempo e o deixamos lá. Dissemos que já voltaríamos. Tínhamos um cheque-presente de US$ 100 no I. Magnin’s que alguém tinha nos dado de presente de casamento. Eu também tinha que depositar um cheque de direitos autorais. Assim, ao banco. Assinei o cheque.
Eu gostei muito da sua assinatura”, disse a garota.
Outra garota veio e olhou a assinatura.
A assinatura dele muda a toda hora”, disse Linda.
É que eu fico assinando meu nome nos livros”, eu disse.
Ele é um escritor”, disse Linda.
É mesmo? O que você escreve?”, perguntou uma das garotas.
Diz pra ela”, falei para Linda.
Ele escreve poemas, contos e novelas”, ela disse.
E fiz um filme”, disse eu.
Barfly.”
Ah”, disse uma das garotas. “Eu vi.”
Você gostou”?
Gostei”, ela sorriu.
Muito obrigado”, falei.
Nos viramos e saímos.
Ouvi uma das garotas dizer, quando entramos: ‘Sei quem é aquele cara’ ”, disse Linda.
Viu? Somos famosos. Entramos no carro e fomos até o shopping center para comer alguma coisa perto do I. Magnin’s.
Pegamos uma mesa, comemos sanduíche de peru e tomamos suco de maçã e capucinos. Da mesa, podia-se ver uma grande parte do shopping. O lugar estava virtualmente vazio. Os negócios não iam bem. Bem, tínhamos um cupom de cem dólares para gastar. Ajudaríamos a economia.
Eu era o único homem lá. Só havia mulheres nas mesas, sozinhas ou aos pares. Os homens estavam em outro lugar. Não me importei. Me sentia seguro com as mulheres. Estava descansando. Minhas feridas estavam cicatrizando. Podia aguentar um pouco de sombra. Imagine se eu pudesse pular abismos para sempre. Talvez depois de um descanso eu pudesse me jogar outra vez da beirada. Talvez.
Terminamos de comer e fomos ao I. Magnin’s.
Eu precisava de camisas. Olhei as camisas. Não achei uma puta camisa. Parecia que tinham sido desenhadas para idiotas. Desisti. Linda precisava de uma bolsa. Encontrou uma, com desconto de 50%. Era US$ 395. Só que não parecia ser de US$ 395. Mais como $ 49,50. Desistiu. Havia duas cadeiras com cabeças de elefante no encosto. Legais. Mas custavam milhões. Havia um pássaro de vidro bonito, US$ 75, mas Linda disse que não tínhamos onde colocá-lo. A mesma coisa com o peixe de listras azuis. Estava ficando cansado. Olhar as coisas me deixou cansado. As lojas de departamentos me fadigam e deprimem. Não há nada nelas. Toneladas e toneladas de merda. Mesmo que fosse de graça, eu não levaria nada. Será que eles nunca vendem nada legal?
Decidimos que talvez um outro dia. Fomos à livraria. Eu precisava de um livro sobre o meu computador. Precisava saber mais. Encontrei um livro. Fui até um vendedor. Ele fez a nota. Paguei com cartão. “Muito obrigado”, disse ele. “Poderia fazer a gentileza de assinar isso?” Ele me alcançou meu último livro. Bem, eu era famoso. Me reconheceram duas vezes no mesmo dia. Duas vezes era o suficiente. Três vezes ou mais e você teria problemas. Os deuses estavam fazendo tudo na medida pra mim. Perguntei seu nome, escrevi-o no livro, escrevinhei alguma coisa, meu nome e um desenho.
Paramos na loja de computadores no caminho de casa. Precisava de papel para a impressora a laser. Eles não tinham. Fiz uma banana para o vendedor. Me fez pensar nos velhos tempos. Ele me recomendou um lugar. Encontramos no caminho de casa. Encontramos tudo lá, com desconto. Comprei papel laser para os próximos dois anos e também envelopes para correspondência, canetas, clipes de papel. Agora, tudo o que eu tinha a fazer era escrever.
Chegamos em casa. O homem da segurança já tinha ido. O cara do telhado tinha vindo e ido embora. Deixou um bilhete: “Voltarei às quatro da tarde”. Sabíamos que o cara do telhado não ia voltar às quatro. Era maluco. Uma infância ruim. Muito confuso. Mas bom com as telhas.
Levei as coisas para cima. Eu estava pronto. Eu era famoso. Eu era um escritor.
Sentei e liguei o computador. Abri os JOGOS IDIOTAS. Daí, comecei a jogar Tao. Estava ficando cada vez melhor nisso. Raramente perdia para o computador. Era mais fácil que apostar em cavalos, mas, de certa forma, não me satisfazia tanto. Bom, voltarei na quarta-feira. Apostar nos cavalos aperta os meus parafusos. É parte do esquema. Funciona. E eu tinha 5.000 folhas de papel para encher.
Charles Bukowski, in O capitão para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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