sexta-feira, 26 de abril de 2019

03/11/91 - 00:48


Fiquei em casa em vez de ir ao hipódromo hoje. Estava com a garganta inflamada e uma dor no topo da cabeça, um pouco para o lado direito. Quando você chega aos 71 anos, nunca se pode adivinhar quando sua cabeça vai explodir através do para-brisa. Ainda vou atrás de uma boa bebedeira de vez em quando e fumo cigarros demais. O corpo fica puto da cara comigo quando faço isso, mas a mente também tem que ser alimentada. E o espírito. Beber alimenta minha mente e meu espírito. De qualquer forma, fiquei em casa, dormi até as 12:20.
Dia frouxo. Entrei na piscina de hidromassagem como um boa-vida. O sol estava brilhando e a água borbulhava e fazia redemoinhos, quente. Relaxei. Por que não? Dê um tempo. Tente se sentir melhor. O mundo inteiro é um saco de merda se rasgando. Não posso salvá-lo. Mas recebi muitas cartas de pessoas que disseram que meus livros salvaram suas vidas. Mas não escrevi para isso, escrevi para salvar a minha própria vida. Sempre estive por fora, nunca me adaptei. Descobri isso nos pátios das escolas. E outra coisa que aprendi foi que eu aprendia muito devagar. Os outros caras sabiam tudo; eu não sabia merda nenhuma. Tudo estava imerso numa luz branca e estonteante. Eu era um idiota. No entanto, mesmo quando eu era um idiota, sabia que não era um idiota completo. Eu tinha algum cantinho de mim que estava protegendo, havia alguma coisa lá. Não importa. Aqui estava eu na piscina e minha vida estava terminando. Não me importava, já tinha visto o circo. Ainda assim, sempre haverá mais coisas para escrever até que me atirem na escuridão ou seja o que for. Isto é que é legal sobre a palavra, permanece indo em frente, buscando coisas, formando frases, se divertindo. Eu estava cheio de palavras e elas ainda saíam em boa forma. Eu tinha sorte. Na piscina. Garganta ruim, dor de cabeça, eu tinha sorte. Velho escritor na piscina, meditando. Legal, legal. Mas o inferno está sempre lá, esperando para se abrir.
Meu velho gato amarelo veio e me olhou na água. Olhamos um para o outro. Sabíamos tudo e nada. Daí, foi embora.
O dia continuou. Linda e eu almoçamos em algum lugar, não lembro onde. A comida não estava muito boa, cheio de pessoas de sábado. Estavam vivas, mas não estavam vivas. Sentadas nas mesas e nos reservados, comendo e falando. Espere, Jesus, isso me lembra alguma coisa. Almocei aqui outro dia antes de ir ao hipódromo. Sentei no balcão, estava completamente vazio. Fiz meu pedido e estava comendo. Homem entrou e sentou no banco BEM AO MEU LADO. Havia outros 20 ou 25 bancos vazios. Ele sentou no que estava ao meu lado. Não gosto tanto assim de pessoas. Quanto mais longe estou delas, melhor eu me sinto. Fez o pedido e começou a falar com a garçonete. Sobre futebol americano profissional. Eu mesmo vejo às vezes, mas falar disso num café? Eles falaram sem parar, tagarelaram sobre isso e aquilo. Sem parar. Jogador predileto. Quem deveria ganhar etc. Daí, alguém de um reservado entrou na conversa. Acho que não teria me incomodado tanto se não estivesse roçando os cotovelos com aquele desgraçado ao meu lado. Um bom tipo, com certeza. Ele gostava de futebol. Seguro. Americano. Sentado ao meu lado. Esqueça. Então, sim, almoçamos, Linda e eu, voltamos e a tarde passou calma, e logo depois que escureceu a Linda reparou em alguma coisa. Ela era boa nesse tipo de coisa. Eu a vi voltando pelo pátio e ela disse: “O Velho Charlie caiu, os bombeiros estão lá”.
O Velho Charlie é o cara de 96 anos que mora na grande casa ao lado da nossa. A mulher morreu na semana passada. Estavam casados há 47 anos. Fui até a frente e lá estava o caminhão dos bombeiros. Havia um cara parado lá.
Sou vizinho do Charley. Ele está vivo?”
Está”, disse ele.
Era evidente que estavam esperando pela ambulância. O caminhão dos bombeiros tinha chegado antes. Linda e eu esperamos. A ambulância chegou. Foi estranho. Dois baixinhos saíram, pareciam muito pequenos. Ficaram lado a lado. Três caras do caminhão de bombeiros ficaram ao seu redor. Um deles começou a falar com os baixinhos. Ficaram ali e concordaram com a cabeça. Daí, aquilo acabou. Foram e pegaram a maca. Levaram-na pela longa escadaria até a casa.
Ficaram lá um tempão. Daí, saíram. O Velho Charley estava preso na maca. Quando estavam prontos para colocá-lo na ambulância, demos um passo à frente. “Aguenta firme, Charley”, eu disse. “Estaremos esperando por você quando voltar”, disse Linda.
Quem são vocês?”, Charley perguntou.
Somos seus vizinhos”, Linda respondeu.
Daí, foi colocado na ambulância e se foi. Um carro vermelho, com dois parentes, os seguiu.
Meu vizinho veio do outro lado da rua. Nos demos as mãos. Tomamos algumas bebedeiras juntos. Contei a ele sobre Charley. E estávamos todos chateados porque os parentes o deixavam muito tempo sozinho. Mas não havia muito que pudéssemos fazer.
Vocês têm que ver a minha cachoeira”, disse meu vizinho.
Tudo bem”, eu disse. “Vamos lá.”
Atravessamos a rua, passamos por sua mulher, pelos filhos, saímos pela porta dos fundos para o pátio, passando pela piscina e, com certeza, lá no fundo, havia uma ENORME cachoeira. Subia toda uma escarpa e parte da água parecia estar saindo de um tronco de árvore. Era imensa. E construída de pedras lindas e enormes de cores diferentes. A água rugia, inundada de luzes. Era difícil de acreditar. Havia um operário lá, ainda trabalhando na cachoeira. Havia mais coisas a serem feitas.
Apertei a mão do operário.
Ele leu todos os seus livros”, meu vizinho disse.
Tá brincando”, eu disse.
O operário sorriu para mim.
Então, voltamos para a casa. Meu vizinho me convidou: “Que tal um copo de vinho?”.
Disse para ele: “Não, obrigado”. Daí expliquei sobre a garganta inflamada e a dor no topo da minha cabeça.
Linda e eu atravessamos a rua e voltamos para casa.
E, basicamente, foi isso sobre o dia e a noite.
Charles Bukowski, in O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio

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