Ah, que delícia se alguém abrisse a
porta da sala, do quarto ou do banheiro e me dissesse solícito: “Tá
tudo em ordem, meu bem?”. Há quantos anos isso não acontece
comigo! E tô vendo todo mundo esbravejando porque o presidente
Itamar tem uma divina assessora que abre todas as portas e diz
exatamente isso: “Tá tudo em ordem, meu bem?”. Seja lá quem for
essa maravilhosa dona Rute, seria lindo encontrar um duplo dela para
senhoras como eu, complexas, muitas vezes prolixas e com tudo em
desordem. E ainda que as coisas não se arrumem com essa simples
frase, a esperança de que um dia alguém possa arrumá-las já nos
dá um grande alívio. “A ideia do suicídio nos alivia de muitas
noites más”, disse Nietzsche. E que delícia então ter a ideia de
chamar a Rute ao invés de pensar em se matar. No meu caso, eu digo
porque o presidente não tem motivos para pensar nisso. A inflação
está só vinte e sete por cento ao mês. Alguém em Nova York
perguntou ao prefeito Maluf (dias atrás) a quanto estava a inflação
no Brasil. Ele respondeu: vinte e seis por cento. O que perguntou:
“Ah, isso é muito, vinte e seis por cento ao ano é muito mesmo!”.
Os ministros do presidente, os que se foram e os que “estão”
ministros, resolveram aderir ao conceito de um Prêmio Nobel: “Só
existe um meio seguro de evitar erros: não fazer nada ou ao menos
evitar fazer algo novo”. Uma frase digna de um Dalai-Lama. Ou de um
iniciado, pelo menos. Há um grande iniciado que todo mundo, no
Brasil, devia conhecer ou aderir: padre Bede Griffiths. Ele diz em
algum momento: “A divina escuridão… nela, encontramos Deus”.
Tá tudo tão escuro por aqui, apesar do ainda verão. Será que é
Deus que vem vindo? Outra coisa agora: quem é que vai ser a rainha
se aparecer um rei? Não paro de rir atrás das portas com essa ideia
de monarquia. Gente!!! Não combina! Já pensou todo o povão
gritando: “Viva o rei! Viva a rainha!”. E nós todos desdentados,
famélicos apontando os dois: oia o rei, oia a rainha! E se alguém
descobrir um dia (como naquela estorinha infantil) que o rei está
nu?
Hilda Hilst, in Crônica
publicada originalmente no jornal Correio Popular em 1993
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