domingo, 17 de março de 2019

Pratos variados

O nosso garçom no Tre Scalini, na Piazza Navona de Roma, desaparecia por longos períodos. Desconfiava-se que fosse visitar a família ou jantar no restaurante ao lado. Quando reaparecia, era disputado aos gritos por diversas mesas, em diversos idiomas.
Desprezava a todos com a mesma empáfia. Mas conseguimos, finalmente, fazer o nosso pedido. Dizer que a massa estava perfeita é não dizer nada. O difícil é comer uma massa que não seja perfeita na Itália. Extraordinário estava o prato de antipasti, metade dos quais eu nem consegui identificar mas comi com igual entusiasmo. Só de azeitonas havia quatro variedades. Depois da massa pedimos — aproveitando uma das infrequentes aparições do garçom — o sorvete Tartufo, que faz a fama do restaurante. É uma espécie de torta de chocolate gelada e a fama é merecida. E a Piazza Navona fica ainda mais bonita depois do jantar.
A história de que em Paris se come bem em qualquer boteco é mito que não resiste ao primeiro boteco. Numa brasserie perto do Arco do Triunfo, à qual recorremos porque já era tarde e em Paris a gente caminha, e nunca chega ao Treviso, comi certamente a pior omelete da minha vida. Os restaurantes franceses, de qualquer categoria, estes sim raramente falham. Num restaurante da Madeleine, que por certo não receberia nem um cumprimento do Guide Michelin, quanto mais uma estrela, comi um magret de canard, que é uma espécie de bife feito de alguma misteriosa parte do pato, fantástico. Precedido de ostras e acompanhado de vinho nacional.
Na Place des Vosges, a mais antiga de Paris, descobrimos um restaurante que, pelo aspecto, antecedia a praça: Monsieur Não Sei o Que de Cocconnas. Primeiro uma terrine de canard e depois um peixe coberto com molho crocante indescritível que foi a melhor coisa que comi nesta viagem. A Lúcia pediu o pot au feu, um grande cozido no qual entrava, desconfio, até o plano quinquenal do Giscard D’Estaing. O vinho foi um tinto da região do Rhône, esfriado para não destoar do peixe.
Fizemos uma única extravagância alimentar em Paris, embora na verdade nada em Paris, fora a paisagem, seja muito barato. Fomos comer no Les Belles Gourmandes, cuja existência o Michelin pelo menos reconhece. Carré d’agneau para duas pessoas. Pela primeira vez compreendi o verdadeiro sentido das palavras cordeiro de Deus. Comecei a traduzir a conta para cruzeiros, mas desisti no segundo zero. Certas coisas não ajudam a digestão.
Fomos jantar com a Berenice Otero — que está ótima — no Coup Chou, que já conhecíamos mas que merece várias revisitas. O meu prato estava muito bom, mas confesso que passei todo o jantar de olho no prato da Berenice, que tinha tanta coisa para contar que nem tocava na comida. A educação foi mais forte e cheguei ao fim da noite sem avançar no prato de ninguém, no entanto. Mas estive tentado. Outra constatação parisiense: o Marco Aurélio Garcia está cozinhando cada vez melhor. E está experimentando com sobremesas!
O nosso hotel em Londres, o Cumberland, tem dois restaurantes. Um é o L’Épée d’Or, que justifica o nome de espada especializando-se em coisas no espeto, tais como o prato que os franceses chamam de brochette mas os gaúchos — tá doido — preferem chamar de xixo, uma corruptela do shisykebab, e que em certas churrascarias locais devia se chamar corruptela mesmo. O outro restaurante do Cumberland é o Carvery, onde, por um preço fixo, você pode se servir quantas vezes quiser de grandes assados de carne de rês ou porco, expostos num balcão supervisionado por chefs de chapelão. Fomos uma vez no L’Épée d’Or.
O serviço em quase todos os restaurantes ingleses a não ser os mais tradicionais é feito por imigrantes, uma variedade de raças e sotaques que só tem uma coisa em comum: o péssimo serviço. Hindus, indianos ocidentais, espanhóis, portugueses e italianos distraem-se tanto desentendendo-se, que esquecem de atender as mesas. No L’Épée d’Or a comida não justifica o caos, e ainda por cima há o perigo sempre presente de uma briga acabar com espetos voando sobre a clientela. Não voltamos lá. No Carvery, da primeira vez que tentamos entrar, o maître — português — nos informou que era impossível, o restaurante fecharia dali a pouco e ainda havia 50 pessoas esperando a vez. Tentamos na noite seguinte. Impossível, nos disse o maître. Desta vez, um espanhol. Havia 80 pessoas esperando. “Amanhã ele diz que tem 100”, apostei. Voltamos na noite seguinte só para conferir a aposta. “Impossível”, disse o italiano, “há 100 pessoas esperando para sentar.” Saí frustrado mas satisfeito. Tentamos ainda outro dia e desta vez — surpresa! — conseguimos entrar. A carne é fantástica. E a vantagem é que você é servido por brasileiros solícitos: você mesmo.
Quanto mais eu conheço restaurantes chineses por aí mais gosto do Pagoda de Porto Alegre. Com a possível exceção do Empress of China, em São Francisco, ainda não encontrei nenhum que se iguale. Em Londres, talvez tenha nos faltado sorte. Há dezenas de chineses no Soho, a gente escolhe um, entra, e depois fica pensando que o bom provavelmente é o do lado. Já sei, já sei. A solução é, da próxima vez, escolher um para entrar e entrar no do lado. Fomos a apenas um restaurante, digamos assim, mais encorpado, em Londres. O Bentley’s da Swallow Street, que já conhecíamos de outra viagem e que nos fora recomendado pelo Armando Coelho Borges. Coisas do mar. Continua bom. Também fomos na Chesa, um dos três restaurantes do centro suíço de turismo, excelente. E eu que pensei que já conhecia batatas suíças…
Luís Fernando Veríssimo, in A mesa voadora

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