O
nosso garçom no Tre Scalini, na Piazza Navona de Roma, desaparecia
por longos períodos. Desconfiava-se que fosse visitar a família ou
jantar no restaurante ao lado. Quando reaparecia, era disputado aos
gritos por diversas mesas, em diversos idiomas.
Desprezava
a todos com a mesma empáfia. Mas conseguimos, finalmente, fazer o
nosso pedido. Dizer que a massa estava perfeita é não dizer nada. O
difícil é comer uma massa que não seja perfeita na Itália.
Extraordinário estava o prato de antipasti, metade dos quais
eu nem consegui identificar mas comi com igual entusiasmo. Só de
azeitonas havia quatro variedades. Depois da massa pedimos —
aproveitando uma das infrequentes aparições do garçom — o
sorvete Tartufo, que faz a fama do restaurante. É uma espécie de
torta de chocolate gelada e a fama é merecida. E a Piazza Navona
fica ainda mais bonita depois do jantar.
A
história de que em Paris se come bem em qualquer boteco é mito que
não resiste ao primeiro boteco. Numa brasserie perto do Arco
do Triunfo, à qual recorremos porque já era tarde e em Paris a
gente caminha, e nunca chega ao Treviso, comi certamente a pior
omelete da minha vida. Os restaurantes franceses, de qualquer
categoria, estes sim raramente falham. Num restaurante da Madeleine,
que por certo não receberia nem um cumprimento do Guide Michelin,
quanto mais uma estrela, comi um magret de canard, que é uma
espécie de bife feito de alguma misteriosa parte do pato,
fantástico. Precedido de ostras e acompanhado de vinho nacional.
Na
Place des Vosges, a mais antiga de Paris, descobrimos um restaurante
que, pelo aspecto, antecedia a praça: Monsieur Não Sei o Que de
Cocconnas. Primeiro uma terrine de canard e depois um peixe
coberto com molho crocante indescritível que foi a melhor coisa que
comi nesta viagem. A Lúcia pediu o pot au feu, um grande
cozido no qual entrava, desconfio, até o plano quinquenal do Giscard
D’Estaing. O vinho foi um tinto da região do Rhône, esfriado para
não destoar do peixe.
Fizemos
uma única extravagância alimentar em Paris, embora na verdade nada
em Paris, fora a paisagem, seja muito barato. Fomos comer no Les
Belles Gourmandes, cuja existência o Michelin pelo menos reconhece.
Carré d’agneau para duas pessoas. Pela primeira vez
compreendi o verdadeiro sentido das palavras cordeiro de Deus.
Comecei a traduzir a conta para cruzeiros, mas desisti no segundo
zero. Certas coisas não ajudam a digestão.
Fomos
jantar com a Berenice Otero — que está ótima — no Coup Chou,
que já conhecíamos mas que merece várias revisitas. O meu prato
estava muito bom, mas confesso que passei todo o jantar de olho no
prato da Berenice, que tinha tanta coisa para contar que nem tocava
na comida. A educação foi mais forte e cheguei ao fim da noite sem
avançar no prato de ninguém, no entanto. Mas estive tentado. Outra
constatação parisiense: o Marco Aurélio Garcia está cozinhando
cada vez melhor. E está experimentando com sobremesas!
O
nosso hotel em Londres, o Cumberland, tem dois restaurantes. Um é o
L’Épée d’Or, que justifica o nome de espada especializando-se
em coisas no espeto, tais como o prato que os franceses chamam de
brochette mas os gaúchos — tá doido — preferem chamar de
xixo, uma corruptela do shisykebab, e que em certas
churrascarias locais devia se chamar corruptela mesmo. O outro
restaurante do Cumberland é o Carvery, onde, por um preço fixo,
você pode se servir quantas vezes quiser de grandes assados de carne
de rês ou porco, expostos num balcão supervisionado por chefs de
chapelão. Fomos uma vez no L’Épée d’Or.
O
serviço em quase todos os restaurantes ingleses a não ser os mais
tradicionais é feito por imigrantes, uma variedade de raças e
sotaques que só tem uma coisa em comum: o péssimo serviço. Hindus,
indianos ocidentais, espanhóis, portugueses e italianos distraem-se
tanto desentendendo-se, que esquecem de atender as mesas. No L’Épée
d’Or a comida não justifica o caos, e ainda por cima há o perigo
sempre presente de uma briga acabar com espetos voando sobre a
clientela. Não voltamos lá. No Carvery, da primeira vez que
tentamos entrar, o maître — português — nos informou que
era impossível, o restaurante fecharia dali a pouco e ainda havia 50
pessoas esperando a vez. Tentamos na noite seguinte. Impossível, nos
disse o maître. Desta vez, um espanhol. Havia 80 pessoas
esperando. “Amanhã ele diz que tem 100”, apostei. Voltamos na
noite seguinte só para conferir a aposta. “Impossível”, disse o
italiano, “há 100 pessoas esperando para sentar.” Saí frustrado
mas satisfeito. Tentamos ainda outro dia e desta vez — surpresa! —
conseguimos entrar. A carne é fantástica. E a vantagem é que você
é servido por brasileiros solícitos: você mesmo.
Quanto
mais eu conheço restaurantes chineses por aí mais gosto do Pagoda
de Porto Alegre. Com a possível exceção do Empress of China, em
São Francisco, ainda não encontrei nenhum que se iguale. Em
Londres, talvez tenha nos faltado sorte. Há dezenas de chineses no
Soho, a gente escolhe um, entra, e depois fica pensando que o bom
provavelmente é o do lado. Já sei, já sei. A solução é, da
próxima vez, escolher um para entrar e entrar no do lado. Fomos a
apenas um restaurante, digamos assim, mais encorpado, em Londres. O
Bentley’s da Swallow Street, que já conhecíamos de outra viagem e
que nos fora recomendado pelo Armando Coelho Borges. Coisas do mar.
Continua bom. Também fomos na Chesa, um dos três restaurantes do
centro suíço de turismo, excelente. E eu que pensei que já
conhecia batatas suíças…
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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