Chegamos
ao estranho templo da Serpente, nos subúrbios da cidade de Penang,
no que antes se chamava Indochina. Este templo foi muito descrito por
viajantes e jornalistas. Com tantas guerras, tantas destruições e
tanto tempo e chuva que caíram sobre as ruas de Penang, não sei se
ainda existirá. Sob o teto de telhas, um edifício baixo e
encardido, carcomido pelas chuvas tropicais, entre a espessura das
grandes folhas dos plátanos. Cheiro de umidade. Aroma de frangipana.
Quando entramos no templo não vemos nada na penumbra. Um cheiro
forte de incenso e ali adiante algo se move. É uma serpente que se
espreguiça. Pouco a pouco notamos que há algumas outras. Logo
observamos que talvez são dezenas. Mais tarde compreendemos que são
centenas ou milhares de serpentes. Há pequenas enroscadas nos
candelabros, há escuras, metálicas e delgadas, todas parecem
adormecidas e saciadas. De fato, por toda parte se veem finas
travessas de porcelana, algumas transbordantes de leite e outras
cheias de ovos. As serpentes não olham para nós. Passamos
roçando-as pelos estreitos labirintos do templo, estão sobre nossas
cabeças, suspensas da arquitetura dourada, dormem sobre os muros,
enroscam-se sobre os altares. Eis aí a temível víbora de Russell,
engolindo um ovo junto de uma dezena de mortíferas cobras-corais,
cujos anéis de cor escarlate denunciam seu veneno instantâneo. Vi a
”fer de lance”, vários e grandes pitons, a “coluber de rusi”
e a “coluber noya”. Serpentes verdes, cinzentas, azuis e negras
enchiam a sala. Tudo em silêncio. De vez em quando um bonzo vestido
de açafrão atravessa a sombra. A cor brilhante de sua túnica faz
com que ele pareça mais uma serpente, movediça e preguiçosa, em
busca de um ovo ou de um bebedouro de leite.
Estas
cobras foram trazidas até aqui? Como se acostumaram? Nossas
perguntas são respondidas com um sorriso; dizem-nos que vieram
sozinhas e que irão sozinhas quando tiverem vontade. O certo é que
as portas estão abertas e não há grades ou vidros nem nada que as
obrigue a ficar no templo.
O
ônibus saía de Penang e devia atravessar a selva e as aldeias da
Indochina para chegar a Saigon. Ninguém entendia meu idioma nem eu
entendia o de ninguém. Parávamos nas curvas da mata virgem, ao
longo do caminho interminável, e desciam os viajantes, camponeses de
vestimentas estranhas, taciturna dignidade e olhos oblíquos. Já
restavam só uns três ou quatro no interior do imperturbável
calhambeque que rangia e ameaçava se desintegrar na noite quente.
De
repente me senti em pânico. Onde estava? Aonde ia? Por que passava
essa noite longuíssima entre desconhecidos? Atravessávamos o Laos e
o Camboja. Observei os rostos impenetráveis de meus últimos
companheiros de viagem. Iam com os olhos abertos. Suas feições me
pareciam patibulares. Eu estava sem dúvida entre típicos bandidos
de um conto oriental.
Trocavam
olhares de compreensão e me olhavam de soslaio. Nesse momento exato
o ônibus se deteve silenciosamente em plena selva. Escolhi meu lugar
para morrer. Não permitiria que me levassem para ser sacrificado
debaixo daquelas árvores ignotas cuja sombra escura ocultava o céu.
Morreria ali, num banco do ônibus desconjuntado, entre cestas de
vegetais e gaiolas de galinhas, única coisa familiar naquele minuto
terrível. Olhei ao redor, decidido a enfrentar a sanha de meus
verdugos, e percebi que também eles tinham desaparecido.
Esperei
longo tempo sozinho, com o coração oprimido pela escuridão intensa
da noite estrangeira. Ia morrer sem ninguém saber, tão distante de
meu pequeno país amado, tão separado de todos meus amores e de meus
livros!
Logo
apareceu uma luz e depois outra. O caminho encheu-se de luzes. Soou
um tambor; irromperam as notas estridentes da música cambojana.
Flautas, tamborins e archotes encheram de claridade e sons o caminho.
Subiu um homem que me disse em inglês:
-
O ônibus sofreu uma avaria. Como a espera será longa, talvez até o
amanhecer, e não tem aqui onde dormir, os passageiros foram buscar
uma troupe de músicos e dançarmos para que o senhor se entretenha.
Durante
horas, sob aquelas árvores que já não me ameaçavam, presenciei as
maravilhosas danças rituais de uma nobre e antiga cultura e escutei,
até o sol raiar, a música deliciosa que invadia o caminho.
O
poeta não pode temer o povo. Pareceu-me que a vida fazia uma
advertência e me ensinava para sempre uma lição: a lição da
honra oculta, da fraternidade que não conhecemos e da beleza que
floresce na escuridão.
Pablo
Neruda, in Confesso que vivi
Nenhum comentário:
Postar um comentário