No
primeiro dia de aula, quando a professora se dirigiu a ele,
perguntando o nome, sentiu a classe esperando, olho na resposta.
A
língua travou.
A
professora achou que era desconsideração: “O nome, menino!”.
Sob
pressão, ele piorava.
Ficou
mudo, aterrorizado. Ela ergueu a régua de madeira. O nome. Mas ela
sabia o nome, todos sabiam, todos se conheciam. Por que teria de
repetir? Se as pessoas sabem, por que é preciso ficar dizendo? Que
diferença faz?
Ele
não entendia o próprio medo, o que o levava a se recolher numa
casca. Não gostava disso, no fundo da casca era escuro, sem saídas.
Sofria.
Parecia
tão fácil. Era só dizer o nome. Na classe, alguns até se
orgulhavam, diziam o nome e olhavam em torno, recebendo a admiração,
como se fossem aplausos.
Então,
por que aquilo se passava com ele? Qual a razão? O que o amarrava?
Ah,
se a gente soubesse as coisas que estão dentro! Com quem poderia
conversar sobre o assunto?
Crianças
não falavam de problemas com ninguém.
Crianças
não tinham problemas.
Crianças
cresciam, brincavam, estudavam, obedeciam, iam à igreja, temiam a
Deus, aos pais, aos professores, temiam os cachorros de rua, os
trilhos dos trens (em um dia remoto, um menino fora morto por uma
locomotiva), a formicida Tatu.
O
sapateiro vizinho tinha se suicidado com formicida, veneno para
formigas, e a mãe o levara para ver, apontando para o morto de olhos
esbugalhados: “Era um descontrolado, irresponsável, olha no que
deu”.
A
régua desceu. Se não der o nome hoje, não vai ter nome. Nunca
terá. Sem-nome. Assim vão te chamar.
O
sem-nome sentou-se, furioso.
Não
era um sem-nome.
Todos
iriam ver que tinha nome, só não conseguia dizer. E por que não
dizia?
Uma
noite, na aula suplementar de inglês, ele se apaixonou pela
moreninha de olhos puxados. Ela o incentivou. Ele queria aprender
inglês para entender melhor os diálogos dos filmes, as legendas
eram ruins. Não perdia sessão, via o mesmo filme cinco vezes. No
cinema, era ele e a tela. Ele e os personagens. Um dia, o filme A
Rosa Púrpura do Cairo mostrou o outro lado da realidade. Os
personagens podiam sair da tela e vir até ele. Aquela gente fabulosa
podia ser sua amiga.
Mas
aquilo não era vida real, descobriu.
Nas
aulas, a moreninha incentivava.
E
ele, paralisado. Morto de desejo e amor. Querendo estar ao lado dela,
pegar em suas mãos, como faziam os outros que namoravam nas ruas
silenciosas. Não sabendo como agir, não conhecendo o timing
da sedução, ele demorou.
E
ela se distanciou.
Ninguém
é obrigado a esperar por indecisões.
Uma
noite, no cinema, ele ouviu uma das amigas da moreninha dizer: “Acham
que ela ia namorar o mudo? Nunca soube o que ele pensava! Ele nunca
assumiu nada”.
Será
que ela não sabia o que ele pensava? Não estava em seus olhos, no
rosto febril, ansioso?
Ele
pensou nisso. Era um mudo que falava. Paradoxo.
Assim,
cresceu e viveu.
Não
se pode dizer que viveu.
Existiu
tentando fazer coisas em que não precisasse falar, contar de si,
revelar o que tinha por dentro.
Sem
saber que assim é impossível. É preciso se exprimir, convencer,
dizer, dar nome às coisas. Aos sentimentos, às emoções. Dessa
maneira, perdeu, sempre perdeu. Sabendo que não tinha direito de
fazer outras pessoas viverem dentro desse seu mundo particular. Feria
as pessoas, dilacerava.
Ele
se julgou muitas vezes um homem imaginado.
Não
existia.
Era
uma fantasia. Homem virtual, incapaz de trazer felicidade, dar
segurança, bem-estar, entender questões do coração, da alma, da
mente.
Sofre
quem ama uma pedra.
Incapaz
de ser, ele não era.
O
coração, apesar da ânsia de viver, da inquietação, parecia oco.
Não era.
Quem
era ele?
Uma
pedra, um homem ou nunca tinha nascido?
Ansiava
por nascer, ser vivo.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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