De
tudo que João Guimarães Rosa escreveu, acho a estória do Miguilim
a mais bonita. Miguilim era um menininho que vivia num lugar perdido
do sertão, precisava andar um dia a cavalo pra se chegar no mais
próximo. Mas Miguilim via um mundo embaçado e pensava que o mundo
era assim. Não via o passarinho no galho da árvore nem os brotos do
milho saídos do chão. Pai de Miguilim, bruto, achava que ele era
burro. Desgostava. Batia. E no coração de Miguilim o ódio crescia.
Mas um dia chegou um doutor montado em cavalo bonito e tratado.
Estranhou que Miguilim fechasse os olhos pra ver melhor. “Esse
nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, Miguilim...” E o
senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
“Olha agora!” Miguilim olhou. “Nem não podia acreditar! Tudo
era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente, as coisas, as
árvores, as caras das pessoas. Via os grãozinhos de areia, a pele
da terra, as pedrinhas menores, as formiguinhas passeando no chão de
uma distância. E tonteava. Aqui, ali, meu Deus, tanta coisa,
tudo...” Leiam e comparem, e vejam se o Miguilim não é o João.
Os dois eram míopes sem saber. O espanto do Miguilim deve ter sido o
espanto do João quando pôs os óculos pela primeira vez. E os dois
brincavam com os mesmos brinquedos, até os boizinhos de sabugo,
brancos, vermelhos e pretos, esses pretejados no fogo do fogão de
lenha... Lendo o Miguilim aprendo sobre o João.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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