quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Um pote de chá chinês

Muitos indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos refutar os dogmas apresentados — em vez de os dogmáticos terem de prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade e levaria o cético às atenções de um psiquiatra, numa época esclarecida, ou às atenções de um inquisidor, numa época passada. É costumeiro supor que, se uma crença é bastante difundida, então deve haver algo de razoável nela. Não penso que tal visão possa ser defendida por qualquer indivíduo que tenha estudado História. Praticamente todas as crenças de selvagens são absurdas. Nas civilizações antigas, talvez exista algo em torno de um por certo a respeito do qual haja algo a ser dito. Em nossos próprios dias… neste ponto preciso ser cauteloso. Todos sabemos que há crenças absurdas na URSS. Se formos protestantes, saberemos que há crenças absurdas entre os católicos. Se formos católicos, saberemos que há crenças absurdas entre os protestantes. Se formos conservadores, ficaremos pasmos com as superstições do partido trabalhista. Se formos socialistas, ficaremos espantados com a credulidade dos conservadores. Não sei, caro leitor, quais são suas crenças; mas, sejam quais forem, temos de admitir que nove décimos das crenças de nove décimos da humanidade são completamente irracionais. As crenças em questão são, obviamente, aquelas que você não possui. Não posso, deste modo, pensar que é presunçoso duvidar de algo que foi longamente tido como verdadeiro, especialmente quando esta opinião apenas prevaleceu em certas regiões geográficas, como é o caso de todas as opiniões teológicas.
Minha conclusão é que não há qualquer motivo para julgar que os dogmas da teologia tradicional são verdadeiros — e também nenhum motivo para desejar que fossem. O homem, desde que não esteja subjugado por forças naturais, é livre para construir seu próprio destino. A responsabilidade é sua, assim como a oportunidade.
Bertrand Russell, in Existe um Deus?

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