Muitos
indivíduos ortodoxos dão a entender que é papel dos céticos
refutar os dogmas apresentados — em vez de os dogmáticos terem de
prová-los. Essa ideia, obviamente, é um erro. De minha parte,
poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês
girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria
capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado
de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser
observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se
afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada,
seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com
razão pensariam que estou falando uma tolice. Entretanto, se a
existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos,
ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes
das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência
seria sinal de excentricidade e levaria o cético às atenções de
um psiquiatra, numa época esclarecida, ou às atenções de um
inquisidor, numa época passada. É costumeiro supor que, se uma
crença é bastante difundida, então deve haver algo de razoável
nela. Não penso que tal visão possa ser defendida por qualquer
indivíduo que tenha estudado História. Praticamente todas as
crenças de selvagens são absurdas. Nas civilizações antigas,
talvez exista algo em torno de um por certo a respeito do qual haja
algo a ser dito. Em nossos próprios dias… neste ponto preciso ser
cauteloso. Todos sabemos que há crenças absurdas na URSS. Se formos
protestantes, saberemos que há crenças absurdas entre os católicos.
Se formos católicos, saberemos que há crenças absurdas entre os
protestantes. Se formos conservadores, ficaremos pasmos com as
superstições do partido trabalhista. Se formos socialistas,
ficaremos espantados com a credulidade dos conservadores. Não sei,
caro leitor, quais são suas crenças; mas, sejam quais forem, temos
de admitir que nove décimos das crenças de nove décimos da
humanidade são completamente irracionais. As crenças em questão
são, obviamente, aquelas que você não possui. Não posso, deste
modo, pensar que é presunçoso duvidar de algo que foi longamente
tido como verdadeiro, especialmente quando esta opinião apenas
prevaleceu em certas regiões geográficas, como é o caso de todas
as opiniões teológicas.
Minha conclusão é que não há qualquer
motivo para julgar que os dogmas da teologia tradicional são
verdadeiros — e também nenhum motivo para desejar que fossem. O
homem, desde que não esteja subjugado por forças naturais, é livre
para construir seu próprio destino. A responsabilidade é sua, assim
como a oportunidade.
Bertrand
Russell, in Existe um Deus?
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