O
Armando Coelho Borges e eu namorávamos, de longe, um restaurante
francês, o Frères Troisgros. Com a melancólica resignação dos
amores impossíveis. Eu já vira duas ou três referências ao
restaurante, sabia que ele ostentava três das consagradoras estrelas
conferidas pelo Guide Michelin — a cotação máxima — e um dia
li na Playboy a apreciação de um especialista em gastronomia
que não fazia por menos: o Frères Troisgros, em Roanne, uma pequena
cidade perto de Lyon, era o melhor restaurante da França, logo, do
mundo. Chegamos a planejar, o casal Coelho Borges e nós, o almoço
que um dia faríamos juntos no Troisgros. Brincando, mas não muito.
Um dia, quem sabe, por que não?
O
dia do Armando ficou para mais tarde, mas o meu, contra todo o bom
senso, contra todas as regras de contenção e previdência que devem
guiar os passos de um assalariado em férias, o meu — deixa eu
secar esta saudosa lágrima que me surge, estranhamente, no canto da
boca — chegou. Estávamos em Genebra e íamos para Paris. Por que
não entrar na França por Lyon, bem perto da fronteira suíça? E,
de Lyon, por que não dar um pulo até Roanne, tão pertinho, se mais
não fosse só para passar a mão pela maçaneta (la pommette?)
da porta do Troisgros?
Tomamos
o trem para Lyon. De chegada, ainda na estação, tracei as
coordenadas da operação. Haveria um trem para Roanne às 10 e pouco
do dia seguinte. Fomos para um hotel, dormimos cedo, e de manhã, em
jejum — a correta preparação física é importantíssima nestes
casos —, rumamos para Roanne. A viagem em si foi um aperitivo
perfeito para o que estava para vir. Campos, fazendas, coxilhas
polvilhadas de simpáticas vacas francesas, e de repente uma floresta
de pinheiros ainda coberta de neve! Em menos de uma hora, atingíamos
o nosso objetivo. Não tínhamos a menor ideia de como localizar o
restaurante. Na frente da estação, eu procurava um mapa ou qualquer
coisa para me orientar quando ouvi a Lúcia soletrando o nome de um
hotel diretamente à nossa frente, do outro lado da rua: Frères
Troisgros... Era ele.
Era
ele, Armando. O hotel em si é de segunda categoria, pequeno e sem
graça como o resto da cidade. O restaurante fica logo à direita da
porta de entrada. Não é luxuoso, é perfeito. Tem lugar para umas
60 pessoas. Atapetado, bem decorado, com grandes vasos de flores em
todas as mesas. Ainda era cedo para o almoço. Reservamos uma mesa e
saímos a caminhar por Roanne, para fazer hora. Nunca foi tão
difícil fazer uma hora. Mal tentamos disfarçar a emoção, ainda
fomos os primeiros a chegar.
Como
todos os restaurantes da França, mesmo os mais estrelados, o
Troisgros oferece menus de preço fixo, além da carte propriamente
dita. Escolhemos o menu mais barato, que até a extravagância tem
limite. Primeiro um pâté de grives en terrine. Depois um
salmão grelhado com um molho, não me perguntem de quê, amarelo e
sensacional. Terceiro, entrecôte ao molho de vinho com
batatas sautées. Nos ofereceram queijos. Àquela altura, se
nos servissem as flores da mesa nós as devoraríamos entre hosanas.
Duas enormes bandejas de queijos de todos os sabores e cheiros. E
ainda um caminhão de sobremesas, não quero nem falar nos morangos.
A todas estas, bebíamos um Meursault. E os dois irmãos Troisgros
que trabalham na cozinha — há um terceiro que não aparece — às
vezes passavam pela sala com seus chapelões de cozinheiro,
cumprimentando conhecidos e colhendo elogios com evidente prazer. Um
dos frères, o de barbicha, andava por entre as mesas
acompanhado de um enorme cachorro. Pensei vagamente em cochichar uma
proposta no ouvido do cachorro. Escuta, você volta para Porto Alegre
no m eu lugar, vai escrever crônica e anúncio, trabalho mole,
salário razoável, ninguém vai notar a diferença, e eu fico aqui
no teu. Hein? Hein? Só não fiz a proposta para não matar o animal
de riso. Saímos, relutantemente, do Troigros, atravessamos a rua e
pegamos o trem de volta para Lyon.
Botei
a conta do almoço num envelope e mandei para o Armando, sem qualquer
comentário. De pura maldade.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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