Se
eu pudesse escolher um outro homem para ser, seria um inventor de
novos sabores para fábricas de sorvetes. Sei que decisões deste
tipo são tomadas por frios (no caso, gelados) e impessoais
departamentos de marketing de acordo com pesquisas científicas
e estratégias de venda, mas nada me impede de imaginar que as
grandes fábricas de sorvete empreguem especialistas exclusivamente
para pensar em novos sabores. Profissionais muito bem pagos cuja
única função consiste em, vez por outra, invadir a sala da
diretoria e anunciar:
— Bolei
um novo sabor!
Grande
alvoroço. Todos os chefes de departamento são convocados enquanto o
inventor do novo sabor escreve sua criação num papel, para não
haver o risco de esquecer. Finalmente, com todos reunidos, com uma
unidade inteira da fábrica parada e esperando, ela revela a ideia.
— “Chucruva”!
Chocolate por fora, uma camada de crocante, e uva por dentro!
Aplausos.
Vivas. Ele se superou outra vez. Produção e promoção são postas
em marcha frenética enquanto o bolador de sabores volta para a sua
sala, entre tapinhas nas costas, para pensar em outro.
Ele
teria que ter um talento especial, ao mesmo tempo malévolo — só
quem está de dieta sabe como dói resistir ao apelo de cada novo
sabor cuidadosamente lançado para ser irresistível — e infantil,
inocente e calculista. E seria um profissional valorizadíssimo. —
Sabe quem é aquele ali?
— Quem?
— O
criador do “Nhaque”!
— Do
quê?
— Do
“Nhaque”. Caramelo, morango, nata e um núcleo de mel e amêndoas.
Um clássico. Ele é uma legenda viva no ramo. Acaba de recusar uma
proposta milionária da Kibon.
— Olhe,
ele está de olhos fechados... e sorrindo como um anjo!
— Deve
estar pensando num novo sabor.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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