Caminhava,
pensando no seu desemprego. Chutou uma pedra e a pedra gritou. O
grito se confundiu aos muitos ruídos da rua, naquela hora: ônibus,
apitos, músicas, buzinas, máquinas, britadeiras, passos. De modo
que o grito da pedra não foi ouvido. O homem continuou, preocupado
com o desemprego e a sua idade: 40 anos.
Quando
passou pela construção, sentiu uma pedra passar zunindo. Percebeu,
ou pensou que percebeu, outro barulho qualquer relacionado com a
pedra. Não prestou atenção, a pedra caiu aos pés, ele chutou.
Estava na esquina, quando identificou: a pedra tinha gritado. Não,
não era possível. Uma alucinação devido ao desemprego, aos
problemas. Estava bastante lúcido, não delirava. No entanto,
voltou. Era um homem curioso e interessado. Por ser curioso e
interessado perdia os empregos, queria ir além da superfície e os
chefes não gostavam. Cada um no seu lugar, fazendo o que deve.
Direitos e deveres, proclamavam. O dever de um funcionário é
ater-se ao seu trabalho, nada mais.
A
pedra tinha caído junto ao tapume. Estavam construindo um prédio de
80 andares e havia placas e faixas comemorativas, um orgulho para a
cidade. As pessoas que passavam diante do prédio costumavam bater
palmas e gritar de alegria. Uma característica do paulistano era
essa: satisfazer-se com as grandes obras de cimento e ferro,
principalmente se fossem nas cores favoritas, o cinza e o preto,
alternados com o marrom-escuro e o roxo quase negro.
Como
reconhecer a pedra que havia gritado, se é que uma pedra tinha
gritado? Havia muitas dessas pedras que são misturadas ao concreto
grosso. Começou a pisá-las mansamente, preocupado com a
sensibilidade das pedras. As pessoas olhavam e seguiam, depois
começaram a parar, vendo aquele estranho balé. Então, ele
localizou. Sob a pressão do pé, a pedra gemeu suavemente. Para se
certificar, ele comprimiu mais e a pedra gritou. Verdadeiramente.
Para espanto dos que olhavam.
Ele
enfiou a pedra no bolso, e partiu. Ia levá-la para casa, estudá-la.
Teria de caminhar, estava sem dinheiro. Na esquina da praça, viu um
pedregulho negro, opaco. Pisou nele. O pedregulho gritou. O homem se
abaixou, colocou-o no bolso. Se duas gritam, outras hão de gritar
também. Estava excitado, esqueceu o desemprego, esbugalhou os olhos
à procura de pedras. Foi encontrando, chutando, apanhando as que
gritavam. Havia muitas. Mais do que ele pensava. Com os bolsos
cheios, ameaçando arrebentar, amontoou as pedras nas mãos. Num
supermercado, pediu um saquinho. Numa loja, conseguiu uma bolsa de
plástico. Eram pedras gritadoras aos montes. Demais. Pesadas. Além
disso, amontoadas umas sobre as outras, as pedras pareciam se sentir
incomodadas e reclamavam. As pessoas que passavam olhavam para ele e
para a bolsa e o saco que emitiam estranhos ruídos, não
identificáveis. Nem humanos, nem animais.
À
medida que andava, encontrava mais pedras e menos gente. As pedras
estavam em montinhos nas esquinas, nas portas dos bares, isoladas em
meio à calçada, perto dos pontos de ônibus. Menos gente, mais
pedras. Até que a rua ficou deserta. Ele só via pedrinhas, pedrões,
de todas as cores, tipos, formas. Pedras nas portas, janelas, nos
balcões dos cafés. O homem sentiu que suas pernas se encolhiam,
estava sendo difícil andar. Tudo escurecia. Percebeu que se
arrastava pela calçada.
Começou
a rolar. Devia estar na ladeira que conduzia ao seu prédio. Rolava,
como se fosse algo redondo fácil de rolar. A calçada era irregular,
ele saltava, mudava de direção, batia numa parede, voltava. Nenhuma
angústia, apenas uma sensação desagradável de que era uma coisa
inteiriça, compacta.
Até
que parou de rolar, sem saber onde estava.
E
sem se importar com isso, com o tempo e com o espaço, como se
tivesse a eternidade à sua frente.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras proibidas
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