Apaguei
todas as luzes, e não foi por economia; foi porque me deram uma
lanterna de bolso, e tive ideia de fazer a experiência de luz
errante.
A
casa, com seus corredores, portas, móveis e ângulos que recebiam
iluminação plena, passou a ser um lugar estranho, variável, em que
só se viam seções de paredes e objetos, nunca a totalidade. E as
seções giravam, desapareciam, transformavam-se. Isso me encantou.
Eu descobria outra casa dentro da casa.
A
lanterna passava pelas coisas com uma fantasia criativa e destrutiva
que subvertia o real. Mas que é o real, senão o acaso da
iluminação? Apurei que as coisas não existem por si, mas pela
claridade que as modela e projeta em nossa percepção visual. E que
a luz é Deus.
A
partir daí entronizei minha lanterninha em pequeno nicho colocado na
estante, e dispensei-me de ler os tratados que me perturbavam a
consciência. Todas as noites retiro-a de lá e mergulho no divino.
Até que um dia me canse e tenha de inventar outra divindade.
Carlos
Drummond de Andrade, in Contos plausíveis
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