domingo, 2 de dezembro de 2018

O banho de fogo

Para atingir a sensação de imaterialidade, existem tantas vias que qualquer tentativa de estabelecer uma hierarquia seria extremamente aleatória - quando não inútil. Cada pessoa toma uma via diferente, seguindo seu próprio temperamento. Eu penso, quanto a mim, que o banho de fogo constitui a via mais fecunda. Experimentar, em todo o ser, um incêndio, um calor absoluto; sentir chamas devorantes fluírem de si; não ser mais do que brilho e fascínio - eis o que significa o banho de fogo. Cumpre-se, então, uma purificação capaz de anular a própria existência. Acaso as ondas de calor e as chamas não devastam tudo até o núcleo; não corroem a vida; não reduzem o ímpeto, reduzindo-lhe todo o caráter agressivo a uma simples aspiração? Viver um banho de fogo, sofrer os caprichos de um violento calor interior - não seria isto atingir uma pureza imaterial, comparável à dança das chamas? A liberação do fardo, graças a este banho de fogo, não faz da vida uma ilusão e sonho? E isto é ainda muito pouco quando comparado à sensação final - tão paradoxal - em que o sentimento desta irrealidade onírica dá lugar à sensação de estar reduzido às cinzas. Esta sensação coroa necessariamente todo banho de fogo interior. Pode-se, à partir de então, falar de imaterialidade. Consumidos em último grau pelas próprias chamas, privados de qualquer existência individual, transformados num monte de cinzas, como poderíamos experimentar ainda a sensação de viver? Uma louca volúpia de infinita ironia domina-me quando imagino minhas cinzas espalhadas pelos quatro cantos do mundo, freneticamente sopradas pelo vento, disseminando-me no espaço como uma eterna advertência ao destino do mundo.
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

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