Estava
contando os dedos, para saber se tinha cinco ou seis, quando viu, no
banco à sua frente, um homem contando os cabelos. Observou
quietamente. Duas horas depois percebeu que o homem parecia
aborrecido, sacudindo a cabeça, desanimado.
– O
que foi, perdeu a conta?
– Perdi.
Viu só? Tinha chegado ao 4.657 e me confundi com dois fios brancos.
Preciso começar tudo de novo. – Tive sorte. A mim coube apenas
contar os dedos.
– Mais
sorte teve um amigo meu. Ele precisa contar quantas bocas tem.
– Você
não acha uma bobagem essa nova lei de recenseamento total?
– Acho.
Principalmente porque estou perdendo um tempo desgraçado. Sabe há
quanto tempo tento contar os cabelos? Seis semanas. Outro dia,
consegui terminar. Acontece que era sexta-feira e as repartições
estavam fechadas. Você sabe que elas funcionam um dia da semana,
durante trinta e sete segundos? Daí, a fila diante do guichê é
fenomenal. Na última vez que estive lá, tinha oito quilômetros de
extensão. E esta fila é apenas daqueles que têm de contar os
cabelos. Fiquei lá, com minha mulher levando marmitas e cobertores.
Foi aí que descobri o problema. O meu cabelo estava caindo. Quer
dizer que quando chegasse a minha vez diante do guichê, o número
estaria errado. Se eu fosse escolhido para verificação, estaria
perdido. Saí da fila e fui fazer tratamento. Gastei muito até
conseguir o preparado que me conservasse o cabelo por algum tempo.
Aí, o prazo estava esgotado. Paguei a multa. Doze salários mínimos,
divididos em setenta e duas prestações na Tabela Price.
Agora, estou contando outra vez, para me apresentar no dia quinze. E
você? Contou todos os dedos?
– Já.
São dez nas mãos e dez nos pés. Cinco para cada mão. Cinco para
cada pé. O problema é que o funcionário sempre tenta fazer com que
a gente caia em contradição. Outro dia, um primo voltou da
repartição muito confuso. Quase chorando. Tinha apresentado o seu
relatório de dedos, confirmado por testemunhas. O homem do guichê
verificou as testemunhas e descobriu que uma delas tinha ficha negra
no serviço de proteção ao crédito. Daí, não podiam confiar em
alguém condenado por mentira ao comércio. O relatório foi
invalidado. Quando o meu primo voltou, o funcionário desconfiado
pediu para ele apresentar mãos e pés. Descobriu uma verruga junto
ao indicador esquerdo e perguntou:
– O
que é isto?
– Uma
verruga.
– Não
seria um dedo deformado?
– Não!
É uma verruga.
– Quem
sabe é o princípio de um novo dedo?
– Não
é. É uma verruga. Tenho há anos.
– Você
precisa de um certificado do Dr. Schol, provando que é verruga.
– Onde
consigo?
– Nas
lojas do Dr. Schol. Todas têm nossos formulários.
– No
entanto, você precisa ver as filas diante das lojas do Dr. Schol,
uns provando que têm verrugas e não dedos, outros para
certificar-se de que possuem calcanhar, e assim por diante. Tenho a
impressão de que este recenseamento vai durar uma eternidade. Eles
são muito rígidos.
– Dizem
que é necessário. Estão fazendo o levantamento total do país.
– Para
quê?
– Não
me pergunte! O melhor, hoje, é a gente saber pouco.
Saiu
pela praça, onde as pessoas contavam bancos, folhas de árvores,
postes, folhas de grama, flores, lâmpadas, cartazes, bancas de
frutas, olhos, pernas, cabeças, ônibus, carros amarelos, carros
brancos, carros de cada cor, bolinhas de vidro, doces nas vitrinas,
gritos, apitos, sussurros, assobios, murmúrios, risos, palavras,
arrotos, jornais, letras, sapatos, camisas amarelas, camisas brancas,
camisas de cada cor, calças, cidades, estados, países, continentes,
estrelas, planetas, galáxias, universos.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Cadeiras Proibidas
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