Pães
de Natal
INGREDIENTES:
1
lata de sardinha
½
chouriço
1
cebola Orégano
1
lata de chiles serranos (pimentões picantes)
10
teleras (pão mexicano ovalado e tostado)
MODO
DE PREPARAR:
A
cebola deve ser picada bem fininha. Sugiro colocar um pedaço no alto
da cabeça enquanto corta, com a finalidade de evitar o choro (que é
muito irritante!). O problema em chorar quando se corta cebolas é
não conseguirmos parar quando surgem as lágrimas. Não sei se isso
já aconteceu a você, mas devo confessar que me ocorreu muitas
vezes. Mamãe costumava dizer que eu era especialmente sensível a
cebolas, como minha tia-avó Tita.
Diziam
que Tita era tão suscetível a cebolas que chorava sem parar quando
quer que fossem cortadas. Quando ainda estava na barriga de minha
bisavó, seu choro era tão alto que Nacha, a cozinheira meio surda,
podia ouvi-lo facilmente. Certo dia, os soluços foram tão violentos
que adiantaram o trabalho de parto. E antes que minha bisavó pudesse
dizer uma palavra, Tita chegou a este mundo prematuramente. Bem ali
na mesa da cozinha, entre os aromas de sopa de macarrão cozinhando
em fogo brando, de tomilho, de louro, de coentro, de leite fervido,
de alho e, é claro, de cebola. Não houve necessidade da habitual
palmada no traseiro, porque ela já estava chorando quando nasceu.
Talvez porque soubesse que seu destino era ser impedida de casar.
Nacha contava que Tita chegou a este mundo literalmente banhada em
uma torrente de lágrimas que transbordavam da mesa ao chão da
cozinha.
Naquela
tarde, quando o alvoroço terminou e a luz do sol secou a água,
Nacha lavou os resíduos deixados pelas lágrimas no chão de lajotas
vermelhas. Havia sal o suficiente para encher um saco de cinco
quilos, que foi utilizado para cozinhar por bastante tempo. Graças
ao parto incomum, Tita apaixonou-se profundamente pela cozinha, onde
passou a maior parte da vida desde o dia em que nasceu.
O
pai de Tita, meu bisavô, morreu devido a um ataque do coração
quando ela tinha apenas dois dias de vida. Com o choque, o leite de
Mãe Elena secou. Como não havia leite em pó naquele tempo, e como
não conseguiam encontrar uma ama de leite em lugar algum, estavam
apavorados para satisfazer a fome do bebê. Nacha, que sabia tudo
sobre culinária – e sobre muitas outras coisas que agora não vem
ao caso –, ofereceu-se como encarregada da alimentação de Tita.
Ela sentiu que seria a melhor oportunidade de “educar o estômago
de uma criança inocente”, mesmo sem ter se casado ou tido filhos.
Embora não soubesse ler ou escrever, conhecia tudo o que dizia
respeito à comida. Mãe Elena aceitou a oferta, agradecida. Tinha
muito a fazer entre o luto pelo marido e a enorme responsabilidade de
administrar o rancho – e era o rancho que proveria seus filhos com
a alimentação e a educação que mereciam – sem precisar se
preocupar com a nutrição de uma recém-nascida.
Daquele
dia em diante, a cozinha foi o domínio de Tita, onde ela cresceu
vigorosa e saudável com uma dieta de chás e mingaus ralos de milho.
Isso explica o sexto sentido que desenvolveu sobre tudo o que diz
respeito à comida. Seus hábitos alimentares, por exemplo, eram
afinados com a rotina da cozinha. De manhã, quando podia sentir o
cheiro do feijão pronto; ao meio-dia, quando percebia que a água
estava no ponto para depenar as galinhas; à tarde, quando se assava
o pão do jantar, Tita sabia que era hora de ser alimentada.
Algumas
vezes, chorava sem motivo algum, como quando Nacha cortava cebolas,
mas já que ambas conheciam a causa daquelas lágrimas, não davam
muita atenção. Faziam disso uma fonte de diversão, de modo que,
durante a infância, Tita não fazia distinção entre lágrimas de
alegria e de tristeza. Para ela, rir era uma forma de chorar.
Da
mesma forma, a alegria de viver, para Tita, era embalada pelas
delícias da comida. Não era fácil, para alguém cujo conhecimento
da vida estava fundamentado na cozinha, entender o mundo externo.
Aquele mundo era uma extensão infinita que começava além da porta
da cozinha, enquanto o restante, considerando tudo o que estava na
área próxima e além da porta dos fundos que levava ao pátio e à
horta era completamente seu: eram os domínios de Tita.
Para
suas irmãs, valia exatamente o contrário: o mundo de Tita parecia
repleto de perigos desconhecidos, que temiam. Elas achavam que
brincar na cozinha era algo tolo e imprudente. Mas, certa vez, Tita
conseguiu convencê-las a assistir ao fascinante espetáculo das
gotas de água saltando no comal, uma frigideira usada para
assar tortillas de milho.
Enquanto
Tita cantava e sacudia as mãos molhadas para fazer as gotas de água
entrarem na frigideira e respingarem, Rosaura escondia-se em um
canto, assustada com o espetáculo. Gertrudis, por sua vez,
considerava a brincadeira tentadora e participava com o entusiasmo
sempre demonstrado onde quer que ritmo, movimento e música
estivessem envolvidos.
Depois,
Rosaura tentara acompanhá-las, porém molhou pouco as mãos e
sacudiu-as cautelosamente, então suas iniciativas não surtiam o
efeito desejado. Tita procurou aproximar as mãos dela da frigideira.
Rosaura resistiu. Cada uma tentou dominar a situação até que Tita
se aborreceu e soltou as mãos da irmã, cujo impulso levou-as à
frigideira. Tita levou uma surra terrível e foi proibida de brincar
com as irmãs nos domínios daquele seu universo particular. Nacha
tornou-se sua companhia para brincadeiras. Juntas inventavam jogos e
atividades relacionadas à cozinha. Como no dia em que viram, na
praça da cidade, um homem que produzia figuras de animais ao torcer
longas bexigas cheias de ar, e decidiram fazer o mesmo com chouriços.
Não se limitavam a reproduzir animais de verdade, elas inventavam
criaturas próprias com o pescoço de um cisne, as pernas de um
cachorro, o rabo de um cavalo e assim por diante.
Entretanto,
havia problemas quando os animais precisavam ser desmontados para
fritar o chouriço. Tita se recusava. Só concordava quando o destino
do chouriço eram os pães de Natal que adorava. Nesse caso, não só
permitia que seus animais fossem desmontados, mas assistia à fritura
com alegria.
O
chouriço para pães deve ser frito em fogo brando, de modo que seja
inteiramente dourado sem ficar escurecido. Quando estiver no ponto,
tire do fogo e acrescente as sardinhas, já sem as espinhas. Qualquer
mancha preta na pele deve ser removida com uma faca. Misture as
cebolas, as pimentas picadas e o orégano. Deixe a mistura descansar
antes de rechear os pães.
Tita
apreciava imensamente essa etapa; enquanto o recheio descansava, era
muito prazeroso sentir o cheiro que se desprendia, pois aromas têm o
poder de evocar o passado, trazendo de volta sons e até mesmo odores
que não têm equiparação com as sensações do presente. Tita
gostava de inspirar profundamente e deixar a fumaça e o aroma
transportar seus pensamentos aos recônditos de sua memória.
Era
inútil tentar relembrar a primeira vez em que sentiu o cheiro desses
pães – ela não conseguia, possivelmente porque aconteceu antes de
ter nascido. Pode ter sido a mistura incomum de sardinhas e chouriços
que a impressionou e a fez decidir trocar a paz da existência etérea
no ventre de Mãe Elena pela vida como sua filha, e assim ingressar
na família De la Garza e compartilhar suas deliciosas refeições e
seu chouriço maravilhoso.
Laura
Esquivel, in Como água para chocolate
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