“Isto
é o que você deve fazer; ame a terra e o sol e os animais, despreze
os ricos, dê esmolas a todos que pedirem, defenda os inocentes e os
loucos…”
Walt
Whitman
Ele
está matando os gatos aqui no parque. Joga-os dentro do lago e fica
olhando os animais se afogarem. Creio que ele, o matador de gatos,
está sorridente, mas não tenho certeza, não consigo ver seu rosto.
Qual será o prazer de matar um gato? Quem mata um gato é capaz de
matar uma pessoa?
Eu
não mato nem barata, claro que sinto certo nojo dela, mas prefiro
afugentá-la ― ela foge, é medrosa ― do que matá-la, da maneira
que todos fazem, esmigalhando-a com os pés, os pés calçados, pois
com os pés descalços os matadores de barata não têm coragem.
Vigio
esse sujeito há algum tempo. Ele chega cedo, quando o parque ainda
está vazio, e se aproxima dos gatos com sardinhas na mão; os gatos
estão famintos, a direção do parque, que devia alimentá-los, não
o faz. Quando um gato, sentindo o aroma daquele manjar, se aproxima,
o sujeito joga um pano sobre ele, envolve-o, imobilizando-o, vai até
a beira do lago e o atira lá dentro. Percebo com nitidez que ele, o
matador de gatos, está sorridente, um sorriso de prazer de quem
satisfez uma aspiração, algo mais que um desejo.
O
que eu devo fazer? Apenas observar? Aproximei-me do indivíduo logo
após o gato sumir nas águas do lago e perguntei se ele me permitia
uma pergunta.
Claro,
respondeu.
O
senhor também mata cachorros?
Ele
parou pensativo. Estaria surpreso com a minha pergunta? Ou tentava se
lembrar se já matara algum cão?
Cachorro,
respondeu, só mato se for um desses lulus. Odeio esses cachorrinhos
de madame, com fitinha na cabeça. Mas até agora só matei três.
Não foi interessante. Matei com bola. Sabe o que é bola, não? Uma
porção de carne envenenada. Esses lulus vivem comendo ração
importada que a madame compra pra eles, e a minha bola é de
filé-mignon, e os bichos ficam enlouquecidos e nem sentem o gosto do
veneno. Uso um produto difícil de encontrar, conhecido como Composto
1080, um raticida altamente tóxico que não tem antídoto. As
madames levam os bichos ao veterinário e ele não pode fazer porra
nenhuma. Desculpe-me esta palavra soez, detesto nomes grosseiros.
Ele
matava cães e gatos, mas não dizia palavras torpes.
Amanhã
ele vai matar gatos novamente.
O
que eu devo fazer? Apenas observar?
Não
mato barata.
Mas
aquele sujeito era pior que uma barata. Esmigalhar com os pés não
dá, tenho que descobrir a maneira correta.
Rubem
Fonseca, in Amálgama
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