Muita
gente nos diz que, sem a crença em Deus, um homem não é capaz de
ser nem feliz, nem virtuoso. No que diz respeito à virtude, posso
falar apenas por observação, não por experiência pessoal. No que
diz respeito à felicidade, nem a experiência nem a observação me
levaram a pensar que quem tem fé é mais feliz ou mais infeliz, em
média, do que aqueles que não a têm. É contumaz encontrar razões
“grandiosas” para a infelicidade, porque é mais fácil manter o
orgulho se for possível atribuir o infortúnio à falta de fé do
que se for necessário atribuí-lo ao fígado. No que diz respeito à
moralidade, muito depende de como se compreende esse termo. De minha
parte, penso que as virtudes mais importantes são a gentileza e a
inteligência. A inteligência é tolhida por qualquer credo,
independentemente de qual seja, e a gentileza é tolhida pela crença
no pecado e no castigo (essa crença, aliás, é a única que o
governo soviético tomou do cristianismo ortodoxo).
Existem
diversas maneiras práticas pelas quais a moralidade tradicional
interfere naquilo que é socialmente desejável. Uma delas é a
prevenção de doenças venéreas. Mais importante é a limitação
da população. Avanços na medicina tornaram essa questão muito
mais importante do que jamais o foi. Se as nações e raças que
continuam se proliferando tanto quanto os britânicos se proliferaram
há cem anos não mudarem seus hábitos relativos a esse aspecto, não
haverá perspectivas para a humanidade além de guerras e pobreza.
Isso é algo que todo estudante inteligente sabe, mas que não é
reconhecido pelos dogmatistas teológicos.
Acredito
que a decadência das crenças dogmáticas só pode trazer o bem. Não
hesito em reconhecer que os novos sistemas de dogmas, como aqueles
dos nazistas e dos comunistas, são ainda piores do que os antigos,
mas jamais teriam conseguido se apoderar do espírito dos homens se
hábitos dogmáticos ortodoxos não lhes tivessem sido incutidos na
infância. A linguagem de Stalin é cheia de reminiscências do
seminário teológico em que recebeu sua educação. O que o mundo
precisa não é de dogma, mas de uma atitude de investigação
científica, combinada à crença de que a tortura de milhões de
pessoas não é desejável, seja ela infligida por Stalin ou por uma
Divindade imaginada à semelhança dos que acreditam.
Bertrand
Russell, in Por que não sou cristão
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