Dentro
do homem existe um Deus desconhecido: não sei qual, mas existe -
dizia Sócrates soletrando com os olhos da razão, à luz serena do
céu da Grécia, o problema do destino humano. E Cristo com os olhos
da fé lia no horizonte anuveado das visões do profeta esta outra
palavra de consolação - dentro do homem está o reino dos céus.
Profundo, altíssimo, acordo de dois gênios tão distantes pela
pátria, pela raça, pela tradição, por todos os abismos que uma
fatalidade misteriosa cavou entre os irmãos infelizes, violentamente
separados, duma mesma família! Dos dois pólos extremos da história
antiga, através dos mares insondáveis, através dos tempos
tenebrosos, o gênio luminoso e humano das raças índicas e o gênio
sombrio, mas profundo, dos povos semíticos se enviam, como primeiro
mas firme penhor da futura unidade, esta saudação fraternal,
palavra de vida que o mundo esperava na angústia do seu caos - o
homem é um Deus que se ignora.
Grande,
soberana consolação de ver essa luz de concórdia raiar do ponto do
horizonte aonde menos se esperava, de ver uma vez unidos, conciliados
esses dois extremos inimigos, esses dois espíritos rivais cuja luta
entristecia o mundo, ecoava como um tremendo dobre funeral no coração
retalhado da humanidade antiga! Os combatentes, no maior ardor da
peleja, fitam-se, encaram-se com pasmo, e sentem as mãos abrirem-se
para deixar cair o ferro fratricida. Estendem os braços... somos
irmãos !
Primeiro
encontro, santo e puríssimo, dos prometidos da história! Manhã
suave dos primeiros sorrisos, dos olhares tímidos mas leais desses
noivos formosíssimos, que o tempo aproximava assim para o casamento
misterioso das raças!
Não
há no mundo palácio de rei digno de lhes escutar as primeiras e
sublimes confidências! Só um templo, alto como a cúpula do céu,
largo como o voo do desejo, puro como a esperança do primeiro e
inocente ideal humano!
Esse
templo tiveram-no. Naquela palavra de dois loucos se encerra
tudo. Nenhuma montanha tão alta, aonde a olho nu se aviste Deus,
como o voo desta frase, a maior revelação que jamais ouvirá o
mundo - dentro do homem está Deus.
Antero
de Quental, in
Prosas da época de Coimbra
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