Nossas
armas, com parte das roupas, campeamos um seguro lugar, deixamos
escondidas. Aí, a gente se ajustou no meio do pessoal daquele
doutor, que estava na mineração, que eu já disse e o senhor sabe.
Por
que não ficamos lá? Sei e não sei. Sesfrêdo esperava de mim toda
decisão. Algum remorso, de não se cumprir de ir, de desertados? Não
vê que não, desafasto. Gente sendo dois, garante mais para se
engambelar, etcétera de traição não sopra escrúpulos, como nem
de crime nenhum, não agasta! igual lobisomem verte a pele. Só se,
companheiros sobrantes, a gente amiúda no ajuizar o desonroso
assunto, isto sim, rança o descrédito de se ser tornadiço covarde.
Mas eu podia rever proveito, caçar de voltar dali para a casa-grande
de Selorico Mendes, exigir meu estado devido, na Fazenda São
Gregório. Temeriam! Assim e silva, como em outro tempo, adiante,
podia flauteado comparecer no Buritís Altos, por conta de Otacília
― continuação de amor. Quis não. Suasse saudade de Diadorim? A
ponto no dizer, menos. Ou nem não tinha. Só como o céu e as nuvens
lá atrás de uma andorinha que passou. Talvez, eu acho, também, que
foi juvenescendo em mim uma inclinação de abelhudice! assaz eu
queria me estar misturado lá, com os medeiro-vazes, ver o fim de
tudo. Em mês de agosto, burití vinhoso... Arassuaí não eram os
meus campos... Viver é um descuido prosseguido. Aí, as noites
cambando para o entrar das chuvas, os dias mal. Desenguli. ― Tempo
de ir. Vamos? ― eu disse para Sesfrêdo. ― Vamos, demais! ― o
Sesfrêdo me respondeu.
Ah,
eh e não, alto-lá comigo, que assim falseio, o mesmo é. Pois ia me
esquecendo! o Vupes! Não digo o que digo, se o do Vupes não orço ―
que teve, tãomente. Esse um era estranja, alemão, o senhor sabe!
clareado, constituído forte, com os olhos azuis, esporte de alto,
leandrado, rosalgar ― indivíduo, mesmo.
Pessoa
boa. Homem sistemático, salutar na alegria séria. Hê, hê, com
toda a confusão de política e brigas, por aí, e ele não somava
com nenhuma coisa: viajava sensato, e ia desempenhando seu negócio
dele no sertão ― que era o de trazer e vender de tudo para os
fazendeiros: arados, enxadas, debulhadora, facão de aço,
ferramentas rógers e roscofes, latas de formicida, arsênico e
creolinas; e até papa-vento, desses moinhos-de-vento de sungar água,
com torre, ele tomava empreitada de armar. Conservava em si um
estatuto tão diverso de proceder, que todos a ele respeitavam.
Diz-se que vive até hoje, mas abastado, na capital ― e que é dono
de venda grande, loja, conforme prosperou. Ah, o senhor conheceu ele?
0 titiquinha de mundo! E como é mesmo que o senhor frasêia? Wusp?
E. Seo Emílio Wuspes... Wúpsis... Vupses. Pois esse Vupes
apareceu lá, logo vai me reconheceu, como me conhecia, do
Curralinho. Me reconheceu devagar, exatão. Sujeito escovado! Me
olhou, me disse: ― Folgo. Senhor estar bom? Folgo... E eu gostei
daquela saudação. Sempre gosto de tornar a encontrar em paz
qualquer velha conhecença ― consoante a pessoa se ri, a gente se
acha de voltar aos passados, mas parece que escolhidas só as
peripécias avaliáveis, as que agradáveis foram. Alemão Vupes ali,
e eu recordei lembrança daquelas mocinhas ― a Miosótis e a
Rosauarda ― as que, no Curralinho, eu pensava que tinham sido as
minhas namoradas. ― Seo Vupes, eu também folgo. Senhor também
estar bom? Folgo... ― que eu respondi, civilizadamente. Ele pitava
era charutos. Mais me disse: ― Sei senhor homem valente, muito
valente... Eu precisar de homem valente assim, viajar meu, quinze
dias, sertão agora aqui muito atrapalhado, gente braba, tudo...
Destampei, ri que ri, de ouvir.
Mas
o mais garboso fiquei, prezei a minha profissão. Ah, o bom costume
de jagunço. Assim que é vida assoprada, vivida por cima. Um
jagunceando, nem vê, nem repara na pobreza de todos, cisco. O senhor
sabe! tanta pobreza geral, gente no duro ou no desânimo. Pobre tem
de ter um triste amor à honestidade. São árvores que pegam poeira.
A gente às vezes ia por aí, os cem, duzentos companheiros a cavalo,
tinindo e musicando de tão armados ― e, vai, um sujeito magro,
amarelado, saía de algum canto, e vinha, espremendo seu medo,
farraposo! com um vintém azinhavrado no conco da mão, o homem
queria comprar um punhado de mantimento; aquele era casado, pai de
família faminta. Coisas sem continuação... Tanto pensei,
perguntei! ― Para que banda o senhor tora? E o Vupes respondeu! ―
Eu, direto, cidade São Francisco, vou forte. Para falar, nem com uma
pontinha de dedo ele não bulia gesticulado. Então, era mesmo meu
rumo ― aceitei ― o destinar! Daí, falei com o Sesfrêdo, que
quis também; o Sesfrêdo não presumia nada, ele naquilo não tinha
próprio destaque.
Mas
os caminhos não acabam.Tal por essas demarcas de Grão-Mogol, Brejo
das Almas e Brasília, sem confrontos de perturbação, trouxemos o
seoVupes. Com as graças, dele aprendi, muito. O Vupes vivia o
regulado miúdo, e para tudo tinha sangue-frio. O senhor imagine!
parecia que não se mealhava nada, mas ele pegava uma coisa aqui,
outra coisinha ali, outra acolá ― uma moranga, uns ovos, grelos de
bambú, umas ervas ― e, depois, quando se topava com uma casa mais
melhorzinha, ele encomendava pago um jantar ou almoço, pratos
diversos, farto real, ele mesmo ensinava o guisar, tudo virava
iguarias! Assim no sertão, e ele formava conforto, o que queria.
Saiba-se! Deixamos o homem no final, e eu cuidei bem dele, que tinha
demonstrado a confiança minha…
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
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