Quando
Olímpico lhe dissera que terminaria deputado pelo Estado da
Paraíba, ela ficou boquiaberta e pensou: quando nos casarmos então
serei uma deputada? Não queria, pois deputada parecia nome feio.
(Como eu disse, essa não é uma história de pensamentos. Depois
provavelmente voltarei para as inominadas sensações, até sensações
de Deus. Mas a história de Macabéa tem que sair senão eu estouro.)
As
poucas conversas entre os namorados versavam sobre farinha,
carne-de-sol, carne-seca, rapadura, melado. Pois esse era o passado
de ambos e eles esqueciam o amargor da infância porque esta, já que
passou, é sempre acre-doce e dá até nostalgia. Pareciam por demais
irmãos, coisa que — só agora estou percebendo — não dá para
casar. Mas eu não sei se eles sabiam disso. Casariam ou não?
Ainda
não sei, só sei que eram de algum modo inocentes e pouca sombra
faziam no chão.
Não,
menti, agora vi tudo: ele não era inocente coisa alguma, apesar de
ser uma vítima geral do mundo. Tinha, descobri agora, dentro de si a
dura semente do mal, gostava de se vingar, este era o seu grande
prazer e o que lhe dava força de vida. Mais do que ela que não
tinha anjo da guarda.
Enfim
o que fosse acontecer, aconteceria. E por enquanto nada acontecia, os
dois não sabiam inventar acontecimentos. Sentavam-se no que é de
graça: banco de praça pública. E ali acomodados, nada os
distinguia do resto do nada. Para a grande glória de Deus.
Ele: –
Pois é.
Ela:
– Pois é o quê?
Ele:
– Eu só disse pois é!
Ela:
– Mas “pois é” o quê?
Ele:
– Melhor mudar de conversa porque você não me entende.
Ela: –
Entender o quê?
Ele:
– Santa Virgem, Macabéa, vamos mudar de assunto e já!
Ela:
– Falar então de quê?
Ele:
– Por exemplo, de você.
Ela:
– Eu?!
Ele:
– Por que esse espanto? Você não é gente? Gente fala de gente.
Ela:
– Desculpe mas não acho que sou muito gente.
Ele:
– Mas todo mundo é gente, meu Deus!
Ela:
– É que não me habituei.
Ele:
– Não se habituou com quê?
Ela:
– Ah, não sei explicar.
Ele:
– E então?
Ela:
– Então o quê?
Ele:
– Olhe, eu vou embora porque você é impossível!
Ela:
– É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que é que
eu faço para conseguir ser possível?
Ele:
– Pare de falar porque você só diz besteira! Diga o que é do teu
agrado.
Ela:
– Acho que não sei dizer.
Ele:
– Não sabe o quê?
Ela:
– Hein?
Ele:
– Olhe, até estou suspirando de agonia. Vamos não falar em nada,
está bem?
Ela:
– Sim, está bem, como você quiser.
Ele:
– É, você não tem solução. Quanto a mim, de tanto me chamarem,
eu virei eu. No sertão da Paraíba não há quem
não saiba quem é Olímpico. E um dia o mundo todo vai saber de mim.
– É?
– Pois
se eu estou dizendo! Você não acredita?
– Acredito
sim, acredito, acredito, não quero lhe ofender. Em pequena ela vira
uma casa pintada de rosa e branco com um quintal onde havia um poço
com cacimba e tudo. Era bom olhar para dentro. Então seu ideal se
transformara nisso: em vir a ter um poço só para ela. Mas não
sabia como fazer e então perguntou a Olímpico:
– Você
sabe se a gente pode comprar um buraco?
– Olhe,
você não reparou até agora, não desconfiou que tudo que você
pergunta não tem resposta?
Ela
ficou de cabeça inclinada para o ombro assim como uma pomba fica
triste.
Quando
ele falava em ficar rico, uma vez ela lhe disse:
– Não
será somente visão?
– Vá
para o inferno, você só sabe desconfiar. Eu só não digo palavrões
grossos porque você é moça-donzela.
– Cuidado
com suas preocupações, dizem que dá ferida no estômago.
– Preocupações
coisa nenhuma, pois eu sei no certo que vou vencer. Bem, e você tem
preocupações?
– Não,
não tenho nenhuma. Acho que não preciso vencer na vida.
Foi
a única vez em que falou de si própria para Olímpico de Jesus.
Estava habituada a se esquecer de si mesma. Nunca quebrava seus
hábitos, tinha medo de inventar.
Clarice
Lispector, in A
hora da estrela
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