O
norte-rio-grandense é denominado papa-jerimum
(abóbora) porque dizem ter sido com essa cucurbitácea que pagavam
aos funcionários da Capitania. Ainda hoje, o papa-jerimum não
os produz suficientemente. Compra-os na Paraíba e Pernambuco. Jamais
fora alimento característico.
Não
seria assombro que tal ocorresse nos velhos bons tempos, pela
escassez do numerário metálico e sua demora no envio das
repartições competentes no Recife.
Na
segunda metade do século XVIII, a moeda comum e corrente no Maranhão
e Ceará era o novelo de algodão fiado. Em 1768, um alvará mandava
pagar aos mestre-escolas em alqueires de farinha. Em dezembro de
1712, a Câmara da Vila de São José de Ribamar, no Ceará,
queixava-se ao Rei de Portugal que o Capitão-Mor Francisco Duarte de
Vasconcelos estava pagando em gêneros e não em dinheiro a
infantaria do presídio. No Pará, a moeda era mais curiosa.
Circulava o pacote de ovas de tainha e os serventuários públicos
recebiam tantos pacotes como ordenados. Raimundo Morais (Meu
dicionário de coisas da Amazônia, II, Rio de Janeiro, 1931)
pergunta se não provirá daí o dizer-se pacote para o conto
de réis, ou porção de dinheiro. O papa-jerimum
nasceria na desastrada administração de Lopo Joaquim de Almeida
Henriques, de 30 de agosto de 1802 a 19 de fevereiro de 1806, quando
foi exonerado e mandado retirar imediatamente pelo Capitão-General
de Pernambuco, Caetano Pinto de Miranda Montenegro.
Tudo
quanto se sabe, documentadamente, é que Lopo Joaquim “mandou fazer
roçados de mandioca pela tropa em lugares por onde hoje se estende a
cidade, e plantações de melancia, de que tirava a parte do leão”
(Gonçalves Dias). Não se fala em jerimum e menos ainda que o
governador pagasse tropa e funcionários com os produtos de sua
lavoura compulsória. Não há outra oportunidade para a criação da
lenda e não existe um único documento oficial em que esse episódio
seja mencionado. Nem se registra em qualquer outra fonte histórica.
Puro folclore!...
A
tradição oral, porém, guarda a origem desse mito nos finais do
século XIX. Armou-o, com todas as peças hilariantes, o Dr. Joaquim
Maria Carneiro Vilela (1848-1913), poeta, escritor, jornalista, e que
em 1868 era juiz municipal em Natal. Temperamento inquieto, buliçoso,
zangou-se com luzias (Liberais) e saquaremas (Conservadores),
deixando a Província sem licença legal, desajustado e furioso.
Houve mesmo uma pretensão matrimonial vetada pela família da futura
noiva, irmã do Padre João Manuel de Carvalho, e que irritou
profundamente a Carneiro Vilela. Montou a estória do jerimum,
divulgando-a com a feitiçaria do seu estilo sedutor. Era uma
mentira, mas deliciosamente contada no sabor de anedota. E a invenção
pegou e viveu até hoje, como visgo em solado de sapato.
Tanto
assim que Francisco Gomes da Rocha Fagundes (1827-1901), senador pelo
Rio Grande do Norte em 1899, ouviu em pleno Senado a pilhéria do
jerimum fiduciário.
O
Senador Chico Gordo, como o chamavam, deu uma resposta feliz:
– Paga
com jerimum, mas paga! E o Estado de V. Ex. a fica devendo!…
Luís
da Câmara Cascudo, in Coisas que o povo diz
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