domingo, 2 de setembro de 2018

O culto ao livre mercado

O capital e a política se influenciam mutuamente a tal ponto que a relação entre os dois é acaloradamente debatida por economistas, políticos e pelo público. Capitalistas convictos costumam alegar que o capital deveria ter a liberdade de influenciar a política, mas a política não deveria ter a liberdade de influenciar o capital. Alegam que quando os governos interferem nos mercados, interesses políticos ocasionam com que façam investimentos pouco sensatos, que por sua vez resultam num crescimento mais lento. Por exemplo, um governo pode impor uma carga tributária pesada sobre os industrialistas e usar o dinheiro para pagar seguros-desemprego generosos, uma medida popular entre os eleitores. Na visão de muitos empresários, seria muito melhor se o governo deixasse o dinheiro com eles. Eles o usariam, segundo afirmam, para abrir novas fábricas e contratar os desempregados.
Nessa visão, a política econômica mais sábia é manter a política fora da economia, reduzir ao mínimo a carga tributária e a regulação do governo e deixar que as forças do mercado tomem seu curso. Os investidores privados, desimpedidos de considerações políticas, investirão seu dinheiro onde puderem obter mais lucro; portanto, a forma de garantir máximo crescimento econômico – que beneficiará a todos, industrialistas e operários – é o governo fazer o mínimo possível. Essa doutrina de livre mercado é hoje a mais comum e mais influente variante do credo capitalista. Os defensores mais entusiastas do livre mercado criticam aventuras militares no exterior com tanto fervor quanto criticam os programas nacionais de bem-estar social. Eles oferecem aos governos o mesmo conselho que os mestres zen oferecem aos iniciantes: simplesmente não faça nada.
Mas em sua forma extrema, a crença no livre mercado é tão ingênua quanto a crença no Papai Noel. Simplesmente não existe um mercado completamente isento de interesses políticos. O recurso econômico mais importante é a confiança no futuro, e esse recurso é constantemente ameaçado por ladrões e charlatães. Os mercados, sozinhos, não oferecem proteção alguma contra fraude, roubo e violência. É função dos sistemas políticos assegurar a confiança legislando sanções contra trapaças e instaurando e financiando forças policiais, tribunais e prisões que fazem com que a lei seja cumprida. Quando os reis falham em sua função e não regulam o mercado devidamente, a consequência é perda de confiança, redução de crédito e depressão econômica. Essa foi a lição ensinada pela Bolha do Mississippi em 1719, e os que se esqueceram dela foram relembrados pela bolha imobiliária de 2007 nos Estados Unidos, e com a crise creditícia e a recessão que se seguiram.
Yuval Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade

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