O
dinheiro tem sido essencial tanto para a construção de impérios
quanto para promover a ciência. Mas o dinheiro é o objetivo final
desses empreendimentos, ou apenas uma necessidade perigosa?
Não
é fácil entender o verdadeiro papel da economia na história
moderna. Volumes inteiros foram escritos sobre como o dinheiro fundou
Estados e os arruinou, abriu novos horizontes e escravizou milhões,
impulsionou a indústria e levou centenas de espécies à extinção.
Mas, para entender a história econômica moderna, é preciso
entender uma só palavra. Essa palavra é: crescimento. Para melhor
ou para pior, na saúde e na doença, a economia moderna cresce como
um adolescente inundado por hormônios. Devora tudo que encontra pela
frente, mas cresce mais depressa do que podemos registrar.
Durante
a maior parte da história, a economia permaneceu mais ou menos do
mesmo tamanho. Sim, a produção global aumentou, mas isso se deveu
principalmente à expansão demográfica e ao povoamento de novas
terras. A produção per capita continuou estática. Mas tudo isso
mudou na era moderna. Em 1500, a produção global de bens e serviços
era equivalente a cerca de 250 bilhões de dólares; hoje, gira em
torno de 60 trilhões. O que é mais importante, em 1500 a produção
per capita anual era, em média, 550 dólares, enquanto hoje todo
homem, mulher e criança produz, em média, 8,8 mil dólares por ano.
1 O que explica esse crescimento estupendo?
A
economia é um assunto notoriamente complicado. Para facilitar as
coisas, imaginemos um exemplo simples.
Samuel
Ganância, um financista perspicaz, funda um banco em São Paulo.
A.
A. Arguto, um empreiteiro em ascensão em São Paulo, termina sua
primeira obra, recebendo pagamento em dinheiro na casa de 1 milhão
de dólares. Ele deposita essa soma no banco do sr. Ganância. O
banco agora tem 1 milhão de dólares em capital.
Enquanto
isso, Dulce Massa, uma chef experiente, mas sem recursos, acredita
ter encontrado uma oportunidade de negócio: não há nenhuma padaria
realmente boa em seu bairro. Mas ela não tem dinheiro suficiente
para comprar toda a infraestrutura necessária, com fornos
industriais, pias, facas e utensílios. Ela vai ao banco, apresenta
seu plano de negócio a Ganância e o convence de que é um
investimento vantajoso. Ele lhe concede um empréstimo de 1 milhão
de dólares, creditando essa soma na conta dela no banco.
Dulce
Massa agora contrata Arguto, o empreiteiro, para construir e equipar
a padaria. O preço dele é 1 milhão de dólares.
Quando
ela o paga, com um cheque de sua conta, Arguto o deposita na conta
dele no banco de Ganância.
Então,
quanto dinheiro Arguto tem em sua conta bancária? Exato, 2 milhões
de dólares.
Quanto
dinheiro, em espécie, há de fato no cofre do banco? Você acertou:
1 milhão de dólares.
Não
termina aqui. Como empreiteiros costumam fazer, dois meses depois de
iniciada a obra, Arguto informa a Dulce Massa que, devido a problemas
e despesas imprevistos, o custo para construir a padaria na verdade
será 2 milhões de dólares. A sra. Dulce Massa não fica
satisfeita, mas não pode parar a obra na metade. Então, ela faz
outra visita ao banco, convence o Sr. Ganância a lhe dar um
empréstimo adicional, e ele deposita mais 1 milhão de dólares na
conta dela. Ela transfere o dinheiro para a conta do empreiteiro.
Quanto
dinheiro Arguto tem em sua conta agora? Ele tem 3 milhões de
dólares.
Mas
quanto dinheiro existe de verdade no banco? Continua havendo apenas 1
milhão de dólares. Na verdade, o mesmo milhão de dólares que
esteve no banco esse tempo todo.
A
legislação atual que regulamenta os bancos nos Estados Unidos
permite que o banco repita esse exercício sete vezes mais. O
empreiteiro acabaria por ter 10 milhões de dólares em sua conta,
embora o banco continuasse tendo não mais de 1 milhão de dólares
em seus cofres. Os bancos são autorizados a emprestar dez dólares
para cada dólar que realmente têm, o que significa que 90% de todo
o dinheiro em nossas contas bancárias não é coberto por moedas e
notas reais. 2 Se todos os correntistas do Barclays decidirem sacar
seu dinheiro de repente, o Barclays quebrará imediatamente (a não
ser que o governo intervenha para salvá-lo). O mesmo é válido para
o Lloyds, o Deutsche Bank, o Citibank e todos os outros bancos do
mundo.
Parece
um esquema Ponzi gigante, não? Mas, se isso é uma fraude, então
toda a economia moderna é uma fraude. A verdade é que não se trata
de uma fraude, e sim de um tributo às capacidades incríveis da
imaginação humana. O que permite que os bancos – e toda a
economia – sobrevivam e floresçam é nossa confiança no futuro.
Essa confiança é o única garantia para a maior parte do dinheiro
do mundo.
No
exemplo da padaria, a discrepância entre o extrato bancário do
empreiteiro e a quantidade de dinheiro que realmente existe no banco
é a padaria da sra. Dulce Massa. O sr. Ganância colocou o dinheiro
do banco nesse ativo, confiando que um dia será lucrativo. A padaria
ainda não assou nem um pão, mas Dulce Massa e Ganância preveem
que, dali a um ano, estará vendendo milhares de pães, bolos e
biscoitos por dia, com uma bela margem de lucro. A sra. Dulce Massa,
então, será capaz de pagar o empréstimo, com juros. Se, nesse
momento, o sr. Arguto decidir sacar suas economias, Ganancia será
capaz de fornecer esse dinheiro. Toda a iniciativa é, portanto,
baseada na confiança em um futuro imaginário – a confiança de
que a empreendedora e o banqueiro terão a padaria dos seus sonhos, e
a confiança do empreiteiro na futura solvência do banco.
Nós
já vimos que o dinheiro é algo impressionante, porque pode
representar uma série de objetos diferentes e converter qualquer
coisa em praticamente qualquer outra coisa. No entanto, antes da era
moderna essa capacidade era limitada. Na maioria dos casos, o
dinheiro só podia representar e converter coisas que já existiam no
presente. Isso impunha uma grave limitação ao crescimento, já que
tornava muito difícil financiar novos empreendimentos.
Considere
nossa padaria mais uma vez. Dulce Massa teria conseguido construí-la
se o dinheiro só pudesse representar objetos tangíveis? Não. No
presente, ela tem uma porção de sonhos, mas nenhum recurso
tangível. A única forma de construir sua padaria seria encontrar um
empreiteiro disposto a trabalhar hoje e receber o pagamento daqui a
alguns anos, se e quando a padaria começasse a dar dinheiro.
Infelizmente, tais empreiteiros são raros. Então nossa
empreendedora está em um dilema. Sem uma padaria, ela não pode
assar pães e bolos. Sem pães e bolos, ela não pode ganhar
dinheiro. Sem dinheiro, ela não pode contratar um empreiteiro. Sem
empreiteiro, ela não tem padaria.
A
humanidade esteve presa nessa encruzilhada por milhares de anos. Em
consequência, as economias permaneceram congeladas. A maneira de
sair da armadilha só foi descoberta na era moderna, com o surgimento
de um novo sistema baseado na confiança no futuro. Nele, as pessoas
concordaram em representar bens imaginários – bens que não
existem no presente – com um tipo especial de dinheiro chamado
“crédito”. O crédito nos permite construir o presente à custa
do futuro. Baseia-se no pressuposto de que nossos recursos futuros
serão muito mais abundantes do que nossos recursos presentes. Se
pudermos construir coisas no presente usando receitas futuras,
abre-se diante de nós uma série de novas oportunidades
maravilhosas.
Se
o crédito é algo tão maravilhoso, por que ninguém pensou nisso
antes? É claro que pensaram. Acordos de crédito de um tipo ou de
outro existiram em todas as culturas humanas conhecidas, remontando
pelo menos à antiga Suméria. O problema nas eras anteriores não é
que ninguém teve a ideia ou soube como usá-la. É que as pessoas
raramente queriam conceder muito crédito porque não confiavam que o
futuro seria melhor do que o presente. Geralmente acreditavam que os
tempos passados eram melhores do que sua própria época e que o
futuro seria pior ou, quando muito, igual. Dito em termos econômicos,
acreditavam que a quantidade total de riqueza era limitada, se é que
não estava em declínio. Portanto, as pessoas consideravam uma má
aposta presumir que elas pessoalmente, ou seu reino, ou o mundo
inteiro estariam produzindo mais riqueza dali a dez anos. Os negócios
pareciam um jogo de soma zero. É claro, os lucros de uma padaria em
particular podiam aumentar, mas só à custa da padaria em frente.
Veneza podia florescer, mas só empobrecendo Gênova. O rei da
Inglaterra podia enriquecer, mas só roubando o rei da França. O
bolo podia ser repartido de muitas formas diferentes, mas nunca
ficava maior.
É
por isso que muitas culturas concluíram que ganhar montes de
dinheiro era pecaminoso. Como disse Jesus, “É mais fácil passar
um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no reino de
Deus” (Mateus 19:24). Se o bolo é sempre do mesmo tamanho, e eu
tenho um pedaço grande dele, devo ter pegado a fatia de alguém. Os
ricos eram obrigados a fazer penitência por suas más ações,
destinando parte de sua riqueza excedente à caridade.
Se
o bolo global permanecia do mesmo tamanho, não havia margem para
crédito. O crédito é a diferença entre o bolo de hoje e o bolo de
amanhã. Se o bolo continua igual, por que conceder crédito? Seria
um risco inaceitável, a não ser que se acreditasse que o padeiro ou
o rei pedindo dinheiro pudesse ser capaz de roubar uma fatia da
concorrência. Por isso, era difícil obter um empréstimo no mundo
pré-moderno, e quando um era concedido, geralmente era pequeno,
de curto prazo e sujeito a juros altos. Desse modo,
empreendedores iniciantes tinham dificuldade para abrir novas
padarias, e grandes reis que quisessem construir palácios ou travar
guerras não tinham outra alternativa senão levantar os fundos
necessários por meio de tarifas e impostos altos. Isso não era um
problema para os reis (conquanto seus súditos continuassem
obedientes), mas uma copeira que tivesse uma grande ideia para uma
padaria e quisesse subir na vida geralmente só podia sonhar com
riqueza enquanto esfregava o piso da cozinha da realeza.
Era
uma situação desvantajosa para todos. Como o crédito era limitado,
as pessoas tinham dificuldade para financiar novos negócios. Como
havia poucos novos negócios, a economia não crescia. Como a
economia não crescia, as pessoas presumiam que ela jamais cresceria,
e os que tinham capital eram cautelosos com a concessão de crédito.
A expectativa da estagnação se retroalimentava.
Yuval
Noah Harari, in Sapiens: uma breve história da humanidade
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