domingo, 23 de setembro de 2018

Não poder mais viver

Existem experiências às quais não podemos sobreviver. Experiências que nos fazem enxergar que nada mais tem sentido. Após terem atingido os limites da vida, terem vivido com exasperação todo o potencial destes perigosos confins, os atos e gestos cotidianos perdem todo o charme, toda a sedução. Se continuamos a viver apesar disso, assim acontece devido às Escrituras, que aliviam esta tensão sem limites. A criação preserva-se apenas temporariamente das garras da morte.
Sinto-me a ponto de explodir com tudo o que me oferecem a vida e a perspectiva da morte. Sinto-me morrer de solidão, de amor, de ódio e de todas as coisas deste mundo. Tudo isto parece fazer de mim um balão prestes a estourar. Nestes momentos extremos, realizo uma conversão ao Nada. Dilato-me interiormente até a loucura, para além de todas as fronteiras, à margem da luz, quando esta já foi extirpada da noite, em direção ao excesso em que um turbilhão selvagem projeta-me direto ao nada. A vida cria uma plenitude e o nada, exuberância e depressão; o que somos diante da vertigem que nos consome até o absurdo? Eu sinto a vida estalar em mim sob o excesso tanto da intensidade, quanto do desequilíbrio - uma explosão indomável capaz de fazer saltar irremediavelmente o indivíduo. Nas extremidades da vida, sentimos que esta nos escapa; que a subjetividade é mera ilusão; e que em nós mesmos fervem forças incontroláveis, arruinando todo o ritmo definido. O que, então, não nos concede uma razão para morrer? Morremos tanto de tudo o que é, quanto de tudo o que não é. Toda a experiência torna-se, imediatamente, um salto no nada. Mesmo sem tê-la conhecido inteira, uma mera prova é o suficiente. Assim que começamos a morrer de solidão, de desespero ou de amor, as outras emoções somente prolongam este sombrio cortejo. A sensação de não poder mais viver após tais vertigens resulta igualmente de uma consumação interior. As chamas da vida ardem num forno de onde o calor não escapa. Estes que vivem sem preocupação com o essencial são salvos desde o início; mas o que eles têm a salvar, eles que não conhecem o menor dos perigos? O paroxismo das sensações, o excesso da interioridade porta-nos a uma direção eminentemente perigosa, já que uma existência que toma consciência demais das suas raízes pode apenas negar-se a si mesma. A vida é limitada demais, fragmentada demais, para resistir às grandes tensões. Todos os místicos não tiveram, após suas epifanias, o sentimento de não poder mais viver? O que podem, então, esperar deste mundo aqueles que sentem além da normalidade, da vida, da solidão, do desespero e da morte?
Emil Cioran, in Nos cumes do desespero

Nenhum comentário:

Postar um comentário