Os
dois estavam comendo sem falar. Só os dois na mesa, e os dois em
silêncio. Aí ele fez um comentário. Só por fazer.
— Não
existe nada pior do que risoto frio.
Ela
só olhou para ele e continuou mastigando.
Daí
a pouco disse:
— Bunda
caída.
— O
quê?
— Bunda
caída. É pior do que risoto frio.
Novo
silêncio. Depois ela completou:
— E
risoto frio tem jeito. É só esquentar.
Mais
dois ou três minutos. Ele:
— Bunda
caída também tem jeito.
— Como?
— Ginástica.
Plástica.
Desta
vez o silêncio durou até o fim do jantar. Ela levantou e levou os
pratos para a cozinha. Depois, como ela estivesse demorando para
voltar, ele gritou:
— Matilde!
Ela
apareceu na porta da cozinha.
— Que
mais? — disse.
— Sobremesa,
ué.
— Não.
Que mais? Você já criticou meu risoto, já criticou minha bunda...
Que mais?
— EU
critiquei sua bunda?
— Eu
faço plástica. Me dá o dinheiro que eu faço.
— Tidinha!
— Não
seja por isso, Vicente.
Ela
desapareceu na cozinha. Ele esperou um pouco e depois foi atrás. Ela
estava olhando fixo para uma massa disforme dentro de uma fôrma, em
cima do balcão.
— O
que é isso? — perguntou ele.
— Manjar
branco.
A
massa era escura. Ele chegou a abrir a boca para falar, mas decidiu
ficar quieto.
Depois,
na mesa, comeu o manjar e fez “Mmmmm”.
Ela
levantou-se da mesa, pegou algumas coisas no banheiro e no quarto e
foi para a casa da Enolina, que tinha comprado uma TV de 59
polegadas. Decidida a não voltar mais.
Aguentava
tudo, menos a ironia.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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