É curioso como, com o avançar dos anos
e o aproximar da morte, vão os homens fechando portas atrás de si,
numa espécie de pudor de que o vejam enfrentar a velhice que se
aproxima. Pelo menos entre nós, latinos da América, e sobretudo, do
Brasil. E talvez seja melhor assim; pois se esse sentimento nos
subtrai em vida, no sentido de seu aproveitamento no tempo, evita-nos
incorrer em desfrutes de que não está isenta, por exemplo, a
ancianidade entre alguns povos europeus e de alhures.
Não estou querendo dizer com isso que
todos os nossos velhinhos sejam nenhuma flor que se cheire. Temo-los
tão pilantras como não importa onde, e com a agravante de
praticarem seus malfeitos com menos ingenuidade. Mas, como
coletividade, não há dúvida que os velhinhos brasileiros têm mais
compostura que a maioria da velhorra internacional (tirante, é
claro, a China), embora entreguem mais depressa a rapadura.
Talvez nem seja compostura; talvez seja
esse pudor de que falávamos acima, de se mostrarem em sua
decadência, misturado ao muito frequente sentimento de não terem
aproveitado os verdes anos como deveriam. Seja como for, aqui no
Brasil os velhos se retraem daqueles seus semelhantes que, como se
poderia dizer, têm a faca e o queijo nas mãos. Em reuniões e
lugares públicos não têm sido poucas as vezes em que já
surpreendi olhares de velhos para moços que se poderiam traduzir
mais ou menos assim: “Desgraçado! Aproveita enquanto é tempo
porque não demora muito vais ficar assim como eu, um velho, e
nenhuma dessas boas olhará mais sequer para o teu lado...”
Isso, aqui no Brasil, é fácil sentir
nas boates, com exceção de São Paulo, onde alguns cocorocas ainda
arriscam seu pezinho na pista, de cara cheia e sem ligar ao enfarte.
No Rio é bem menos comum, e no geral, em mesa de velho não senta
broto, pois, conforme reza a máxima popular, quem gosta de velho é
reumatismo. O que me parece, de certo modo, cruel. Mas, o que se vai
fazer? Assim é a mocidade-ínscia, cruel e gulosa em seus apetites.
Como aliás, muito bem diz também a sabedoria do povo: homem velho e
mulher nova, ou chifre ou cova. Na Europa, felizmente para a classe,
a cantiga soa diferente. Aliás, nos Estados Unidos dá-se, de certo
modo, o mesmo. É verdade que no caso dos Estados Unidos a felicidade
dos velhos é conseguida um pouco à base da vigarista; mas na Europa
não.
Na Europa veem-se meninas lindas nas
boates dançando cheek to cheek com verdadeiros macróbios, e de
olhinho fechado e tudo. Enquanto que nos Estados Unidos eu creio que
seja mais... cheek to cheek. Lembro-me que em Paris, no Club St.
Florentin, onde eu ia bastante, havia na pista um velhinho sempre com
meninas diferentes. O “matusa” enfrentava qualquer parada, do
rock ao chá-chá-chá e dançava o fino, com todos os extravagantes
passinhos com que os gauleses enfeitam as danças do Caribe, sem
falar no nosso samba. Um dia, um rapazinho folgado veio convidar a
menina do velhinho para dançar e sabem o que ela disse? - isso mesmo
que vocês estão pensando e mais toda essa coisa. E enquanto isso, o
velhinho de pé, o peito inchado, pronto para sair na física.
Eu achei a cena uma graça só, mas não
sei se teria sentido o mesmo aqui no Brasil, se ela se tivesse
passado no Sacha's com algum parente meu. Porque, no fundo, nós
queremos os nossos velhinhos em casa, em sua cadeira de balanço,
lendo Michel Zevaco ou pensando na morte próxima, como fazia meu
avô. Velhinho saliente é muito bom, muito bom, mas de avô dos
outros. Nosso, não.
Vinicius de Moraes, in Para
viver um grande amor
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