domingo, 1 de julho de 2018

O segundo descobrimento da América

Para Pedro Arispe, a pátria não significava nada. A pátria era o lugar onde ele tinha nascido, e dava na mesma, porque ninguém o tinha consultado, e era o lugar onde ele se arrebentava trabalhando como peão para um frigorífico, e também dava na mesma ter um ou outro patrão em qualquer outra geografia. Mas quando o futebol uruguaio ganhou a Olimpíada de 1924 na França, Arispe era um dos jogadores triunfantes; e enquanto olhava a bandeira nacional que se levantava lentamente no mastro de honra, com o sol em cima e as quatro barras celestes, no centro de todas as bandeiras e mais alta que todas, Arispe sentiu que seu peito estufava.
Quatro anos depois, o Uruguai ganhou a Olimpíada da Holanda. E um dirigente uruguaio, Atilio Narancio, que em 24 tinha hipotecado sua casa para pagar as passagens dos jogadores, comentou:
Agora já não somos mais aquele pequeno ponto no mapa do mundo.
A camisa celeste era a prova da existência da nação, o Uruguai não era um erro: o futebol havia arrancado aquele minúsculo país das sombras do anonimato universal.
Os autores daqueles milagres de 1924 e 1928 eram operários e boêmios que só recebiam do futebol a pura felicidade de jogar. Pedro Arispe era operário de frigorífico. José Nasazzi cortava pedras de mármore. Perucho Petrone era verdureiro. Pedro Cea, entregador de gelo. Jose Leandro Andrade, compositor de carnaval e engraxate. Todos tinham vinte anos, ou pouco mais, embora nas fotos pareçam tão senhores, e curavam as pancadas recebidas com água e sal, panos molhados com vinagre e alguns copos de vinho.
Em 1924, chegaram à Europa com passagens de terceira classe e lá viajaram de favor em vagões de segunda, dormindo em assentos de madeira e obrigados a disputar uma partida depois da outra em troca de teto e comida. A caminho da Olimpíada de Paris, disputaram nove partidas na Espanha e ganharam as nove.
Era a primeira vez que uma equipe latino-americana jogava na Europa. O Uruguai enfrentava a Iugoslávia na partida inicial. Os iugoslavos mandaram espiões ao treino. Os uruguaios perceberam, e treinaram dando chutes no chão, jogando a bola para as nuvens, tropeçando a cada passe e chocando-se entre si. Os espiões informaram:
Dão pena esses pobres rapazes, que vieram de tão longe...
Apenas duas mil pessoas assistiram àquela primeira partida. A bandeira uruguaia foi içada ao contrário, com o sol para baixo, e em lugar do hino nacional escutou-se uma marcha brasileira. Naquela tarde, o Uruguai derrotou a Iugoslávia por 7 a 0.
E então aconteceu algo como a segunda descoberta da América. Uma partida após a outra, a multidão se aglomerava para ver aqueles homens escorregadios como esquilos, que jogavam o xadrez com a bola. A escola inglesa tinha imposto o passe longo e a bola alta, mas esses filhos desconhecidos, gerados na remota América, não repetiam o pai. Preferiam inventar um futebol de bola curtinha e no pé, com relampejantes mudanças de ritmo e fintas na corrida. Henri de Montherlant, escritor aristocrático, publicou seu entusiasmo: “Uma revelação! Eis aqui o verdadeiro futebol. O que nós conhecíamos, o que nós jogávamos, não era, comparado com isto, mais que um passatempo de escolares”.
Aquele futebol uruguaio das Olimpíadas de 24 e de 28, que depois ganhou as Copas de 30 e 50, foi possível, em grande medida, graças a uma política oficial de apoio à educação física, que tinha aberto campos de esporte em todo o país. Passaram-se os anos, e daquele Estado com vocação social só ficou a saudade. Daquele futebol, também. Alguns jogadores, como o melodioso Enzo Francescoli, souberam herdar e renovar as velhas artes, mas em geral o futebol uruguaio está longe de ser o que era. São cada vez menos os meninos que jogam futebol, e cada vez menos os homens que jogam com graça. No entanto, não há nenhum uruguaio que não se considere doutor em táticas e estratégias do futebol e erudito na sua história. A paixão futebolística dos uruguaios vem daquele passado longínquo e suas raízes fundas ainda estão à vista: cada vez que a seleção nacional joga uma partida, seja com quem for, corta-se a respiração do país e calam a boca os políticos, os cantores e os charlatães de feira, os amantes interrompem seus amores e as moscas param o voo.
Eduardo Galeano, in Futebol ao sol e à sombra

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