sexta-feira, 20 de julho de 2018

Grandes negócios

Nós os poetas sempre pensamos ter grandes ideias para ficarmos ricos, que somos gênios para projetar negócios, ainda que gênios incompreendidos. Lembro que, impelido por uma dessas combinações florescentes, vendi a meu editor no Chile, em 1924, a propriedade de meu livro Crepusculario, não para uma edição mas para a eternidade. Acreditei que ia enriquecer com essa venda e assinei o contrato no tabelião. O sujeito me pagou quinhentos pesos, que eram pouco menos que cinco dólares naquela época. Rojas Giménez, Alvaro Hinojosa, Homero Arce me esperavam à porta do cartório para dar-nos um grande banquete em honra deste êxito comercial. Com efeito comemos no melhor restaurante da época, La Bahía, com vinhos suntuosos, charutos e licores. Previamente tínhamos mandado lustrar os sapatos que luziam como espelho. Os que tiveram proveito com o negócio: o restaurante, quatro engraxates e um editor. A prosperidade não chegou até o poeta.
Quem dizia ter olho de águia para todos os negócios era Alvaro Hinojosa. Impressionava-nos com seus planos grandiosos que, ao serem postos em prática, fariam chover dinheiro sobre nossas cabeças. Para nós, boêmios desastrados, seu domínio do inglês, seu cigarro de tabaco refinado, seus anos universitários em Nova Iorque, garantiam o pragmatismo de seu grande cérebro comercial.
Certo dia me convidou para conversar muito secretamente, para me fazer partícipe e sócio de uma tentativa formidável de conquistar nosso enriquecimento imediato. Eu seria seu sócio em cinquenta por cento, bastando trazer uns poucos pesos que recebesse de algum lugar. Ele colocaria o restante. Naquele dia nos sentimos capitalistas sem Deus nem lei, decididos a tudo.
- De que mercadoria se trata? - perguntei com timidez ao incompreendido rei das finanças.
Alvaro fechou os olhos, soltou uma baforada de fumaça que subiu em pequenos círculos e finalmente respondeu com voz sigilosa:
- Couros!
- Couros? - repeti assombrado.
- De leão-marinho. Para ser mais preciso, de leão-marinho peludo.
Não me atrevi a averiguar mais detalhes. Ignorava que as focas ou leões-marinhos pudessem ser peludos. Quando os contemplei sobre uma rocha, nas praias do sul, vi neles uma pele reluzente que brilhava ao sol, sem perceber indício algum de pêlo em suas barrigas preguiçosas.
Tratei de receber o que me deviam com a velocidade do raio, sem pagar o aluguel nem a conta do alfaiate nem o recibo do sapateiro e coloquei minha participação monetária nas mãos de meu sócio financista.
Fomos ver os couros. Alvaro os havia comprado de uma tia sua, sulista, que era dona de inúmeras ilhas improdutivas. Sobre as ilhotas de penhascos desolados os leões-marinhos costumavam praticar suas cerimônias eróticas. Agora estavam diante de meus olhos, em grandes fardos de couros amarelos, perfurados pelas carabinas dos empregados da tia maligna. Subiam até o teto os pacotes de couro no porão alugado por Alvaro para deslumbrar os presumíveis compradores.
- E que faremos com essa enormidade, com essa montanha de couros? - perguntei-lhe timidamente.
- Todo o mundo precisa de couros desse tipo. Verás.
E saímos do porão, Alvaro despedindo chispas de energia, eu cabisbaixo e calado.
Alvaro ia de um lado para o outro com uma pasta, feita de uma de nossas peles autênticas de “leão-marinho peludo”, pasta que recheou de papéis em branco para dar-lhe aparência comercial. Nossos últimos centavos foram embora em anúncios nos jornais. Bastava que um magnata interessado e compreensivo os lesse e seríamos ricos. Alvaro, muito atilado, queria mandar fazer meia dúzia de ternos de casimira inglesa. Eu, bem mais modesto, me contentaria em adquirir um bom pincel de barbear, já que o atual estava a caminho de uma calvície inaceitável.
Por fim apareceu o comprador: um seleiro de corpo robusto, de estatura baixa, com olhos impávidos, muito sóbrio de palavras e com certo alarde de franqueza que a meu ver se aproximava da grosseria. Alvaro recebeu-o com displicência protetora e lhe marcou, três dias depois, uma hora apropriada para mostrar nossa mercadoria fabulosa.
No correr desses três dias, Alvaro adquiriu esplêndidos cigarros ingleses e alguns charutos cubanos “Romeu e Julieta” que colocou de maneira ostensiva no bolso externo de sua jaqueta quando chegou a hora de esperar o interessado. No chão havíamos espalhado as peles que estavam em melhor estado.
O homem chegou pontualmente à entrevista. Não tirou o chapéu e nos saudou apenas com um grunhido. Olhou desdenhosamente e com rapidez as peles estendidas no chão. Depois passou os olhos astutos e inflexíveis pelas estantes atulhadas. Levantou uma mão gorducha e uma unha duvidosa para indicar um embrulho de peles, um daqueles que estavam mais acima e mais afastados,c justo onde eu tinha metido as peles piores.
Alvaro aproveitou o momento culminante para oferecer-lhe um de seus autênticos havanas. O comerciantezinho pegou-o rapidamente, deu uma dentada na ponta e o encaixou entre as mandíbulas. Mas continuou imperturbável, indicando o pacote que desejava inspecionar.
Não havia remédio senão mostrar-lhe. Meu sócio subiu na escada e, sorrindo como um condenado à morte, baixou o grande envoltório. O comprador, interrompendo-se para tirar mais e mais fumaça do havana de Alvaro, revistou uma por uma as peles do pacote.
O homem levantava uma pele, esfregava, dobrava e a rejeitava e em seguida passava a outra, que por sua vez era arranhada, raspada, cheirada e posta de lado. Quando finalmente terminou sua inspeção, passou de novo o olhar de abutre pelas estantes cheias com nossas peles de leão-marinho peludo e finalmente deteve os olhos sobre meu sócio e expert em finanças. O momento era emocionante.
Disse então com voz firme e seca uma frase imortal - pelo menos para nós:
- Meus senhores, não quero nada com esses couros - e foi-se para sempre, com o chapéu colocado como tinha entrado, fumando o soberbo charuto de Alvaro, sem despedir-se, matador implacável de todos os nossos sonhos milionários.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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