domingo, 15 de julho de 2018

Dias tristes para a Media Luna


Eu ... Eu vi dona Susanita morrer.
O que você está dizendo, Dorotea?
Estou dizendo o que acabo de dizer.

No alvorecer, as pessoas acordaram com o badalar do carrilhão. Era a manhã de 8 de dezembro. Uma manhã cinzenta. Não fria; mas cinzenta. O repicar começou com o campanário maior. Depois vieram os outros. Alguns achavam que era o chamado para a missa grande e começaram a abrir as portas; poucas, só aquelas onde viviam as pessoas madrugadoras, que esperavam acordadas que o toque do alvorecer as avisasse de que a noite havia terminado. Mas o repicar durou mais do que devia. Já não eram apenas os sinos da igreja maior, mas também os da igreja Sangue de Cristo, e o campanário da Cruz Verde, e talvez o do Santuário. Chegou o meio-dia e o repique não cessava. Chegou a noite. E de dia e de noite os sinos continuaram tocando, todos por igual, cada vez com mais força, até que aquilo se converteu num lamento ensurdecedor. Os homens gritavam para ouvir o que queriam dizer: “O que terá acontecido?”, se perguntavam.
Ao terceiro dia estavam todos surdos. Era impossível falar com aquele zumbido que enchia o ar. Mas os sinos continuavam, continuavam, alguns já trincados, com um soar oco feito o de um cântaro.
Morreu dona Susana.
Morreu? Quem?
A senhora.
Sua senhora?
A de Pedro Páramo.
Começou a chegar gente de outras paragens, atraídas pelo repicar constante. De Contla, vinham como em peregrinação. E até de mais longe ainda. Sabe-se lá de onde, o fato é que chegou um circo, trazendo acrobatas e trapezistas. Músicos. Primeiro se aproximavam como se fossem curiosos, e num instante já tinham se transformado em vizinhos, de maneira que houve até serenata. E assim, pouco a pouco a coisa se transformou em festa. Comala formigou de gente, de festança e de ruídos, igual que nos dias da quermesse, quando dava trabalho dar um passo pelo povoado.
Os sinos deixaram de tocar; mas a festa continuou. Não teve como fazer o pessoal compreender que se tratava de um luto, de dias de luto. Não houve como fazer com que se fossem; pelo contrário, continuou chegando mais e mais gente.
A Media Luna estava solitária, em silêncio. Caminhava-se com pés descalços; falava-se em voz baixa. Enterraram Susana San Juan e pouca gente em Comala percebeu. Lá havia festa. Apostava-se nos galos, ouvia-se música; os gritos dos bêbados e das vísporas. Até lá chegava a luz do povoado, que parecia uma auréola sobre o céu cor de cinza. Porque foram dias cor de cinza, tristes para a Media Luna. Dom Pedro não falava. Não saía do seu quarto. Jurou vingar-se de Comala:
Vou cruzar os braços e Comala vai morrer de fome.
E foi o que ele fez.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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