A forma que tomam
as palavras movidas pela lógica do amor se chama poesia. O corpo
fala a linguagem da poesia. O corpo só entende a linguagem da
poesia.
As palavras do
corpo se movem “ao sabor”. Assim, quando elas vagueiam por
lugares aparentemente sem sentido, dando saltos inesperados – você
nunca se surpreendeu com uma ideia que aparece de repente, peixe que
salta e rasga o contínuo fluir da superfície do rio-consciência?
– quando elas vagueiam ao sabor (os saberes não vagueiam), elas
seguem a lógica do desejo. Lógica é um jeito não arbitrário de
passar de uma ideia a outra. Não existe arbitrariedade nos saltos do
pensamento. O corpo está dançando, ao sabor, em busca do seu
objeto...
Tales de Mileto
afirmava que “Tudo é um”. Nietzsche escreveu sobre ele um ensaio
no qual comenta o insólito dessa afirmação filosófica:
“É notável a
violência tirânica com que essa crença trata toda a empiria:
exatamente em Tales se pode aprender como procedeu a filosofia, em
todos os tempos, quando queria elevar-se ao seu alvo magicamente
atraente, transpondo as cercas da experiência. Sobre leves esteios,
ela salta para diante: a esperança e o pressentimento põem asas em
seus pés. Pesadamente, o entendimento calculador arqueja em seu
encalço e busca esteios melhores para também alcançar aquele alvo
sedutor, ao qual sua companheira mais divina já chegou. Dir-se-ia
ver dois andarilhos diante de um regato selvagem, que corre
rodopiando as pedras: o primeiro, com pés ligeiros, salta por sobre
ele, usando as pedras e apoiando-se nelas para lançar-se mais
adiante, ainda que, atrás dele, afundem bruscamente nas profundezas.
O outro, a todo instante, detém-se desamparado, precisa antes
construir fundamentos que sustentem seu passo pesado e cauteloso; por
vezes isso não dá resultado e, então, não há deus que possa
auxiliá-lo a transpor o regato.”
Rubem Alves,
in Variações sobre o prazer
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