Queequeg
Era uma tarde
nublada e opressiva; os homens passeavam lentamente pelo convés, ou
olhavam distraidamente para as águas plúmbeas. Queequeg e eu
estávamos ocupados em tecer tranquilamente o que se chama de
esteira-espada, para servir de amarra suplementar para o nosso bote.
Tão calma e absorta e ainda de certo modo auspiciosa a cena se
apresentava, e pairava tamanho encantamento de sonho no ar, que todo
marinheiro, em silêncio, parecia dissolver-se em seu próprio eu
invisível. Eu era o ajudante ou assistente de Queequeg, ambos
ocupados no trabalho da esteira. Enquanto eu passava e repassava a
trama ou fio de merlim por entre os longos fios da urdidura, usando
minha própria mão como lançadeira, Queequeg, de pé ao lado, de
vez em quando deslizava sua enorme espada de carvalho por entre as
linhas, e, olhando distraidamente para a água, colocava de modo
despreocupado e automático cada fio no seu lugar; repito, uma
atmosfera estranha de sonho reinava sobre todo o navio e sobre todo o
mar, apenas quebrada pelo barulho intermitente da espada, tanto que
isto parecia ser o Tear do Tempo, e eu mesmo uma lançadeira
mecanicamente tecendo e sempre tecendo para as Parcas. Assim estavam
presos os fios da urdidura, sujeitos a apenas uma única vibração
imutável e constante, e aquela vibração era calculada para
permitir apenas o cruzamento dos outros fios com o seu. A urdidura
parecia a Necessidade; e aqui, pensei, com as minhas próprias mãos
guio a lançadeira e teço meu próprio destino nestes fios
inalteráveis. Enquanto isso, a espada indiferente e impulsiva de
Queequeg às vezes tocava na trama de modo enviesado, ou torto, ou
muito forte, ou muito fraco, conforme o caso; e, com essa diferença,
o último golpe produzia um contraste correspondente no aspecto final
do tecido concluído; a espada desse selvagem, pensei, que dá forma
e ajusta, por fim, tanto a urdidura quanto a trama; essa espada
indiferente e descuidada deve ser o Acaso – sim, Acaso,
Livre-Arbítrio e Necessidade – de modo algum incompatíveis –
todos entrelaçadamente trabalhando juntos. A urdidura reta da
Necessidade, que não deve ser desviada de seu curso final – todas
as suas vibrações alternadas, de fato, levam a isso; o
Livre-Arbítrio sempre livre para guiar sua lançadeira por entre os
fios estabelecidos; e o Acaso, embora restrito pelas linhas retas da
Necessidade, e além do mais tendo os movimentos modificados pelo
Livre-Arbítrio, embora seja dessa forma determinado pelos dois, o
Acaso a cada vez comanda ambos e dispõe do último golpe no
configurar dos acontecimentos.
* * * * * * *
Estávamos assim
tecendo e sempre tecendo, quando fui desperto por um som tão
estranho, tão prolongado e musicalmente selvagem e sobrenatural, que
o novelo do Livre-Arbítrio caiu de minha mão, e fiquei a olhar para
cima, para as nuvens, de onde aquela voz descia como uma asa. No
alto, na plataforma da gávea, estava Tashtego, aquele louco de Gay
Head. Seu corpo se jogava avidamente para a frente, a mão esticada
como uma vara, e com súbitos intervalos rápidos voltava a gritar.
Esteja certo de que o mesmo grito talvez tenha sido ouvido naquele
momento por toda a extensão dos mares, vindo de todos os gajeiros de
navios baleeiros, empoleirados lá em cima; mas de poucos daqueles
pulmões o velho e pisado aviso poderia surgir com uma cadência tão
maravilhosa quanto a do índio Tashtego.
Enquanto pairasse
sobre você como que suspenso no ar, tão ansiosa e avidamente
olhando para o horizonte, você o teria comparado a um profeta ou
vidente contemplando as sombras do Destino e anunciando com aqueles
gritos selvagens sua chegada.
“Lá soprou! Ali!
Ali! Ali! Ela sopra! Ela sopra!”
“Onde?”
“A sotavento,
umas duas milhas! Um bando!”
Imediatamente tudo
se fez comoção.
O cachalote sopra
como um relógio toca, com a mesma regularidade confiável e
constante. Assim os baleeiros distinguem esse peixe das outras tribos
de seu gênero.
“Já foram as
caudas!”, ouviu-se então Tashtego gritar, e as baleias
desapareceram.
“Depressa,
camareiro!”, gritou Ahab. “As horas! As horas!”
Dough-Boy correu
para baixo, olhou no relógio e informou Ahab da hora exata.
O navio mantinha-se
afastado do vento e deslizava calmamente à sua frente. Tashtego
tendo anunciado que as baleias mergulhavam a sotavento, esperávamos
vê-las emergir diretamente na proa. Pois aquela astúcia singular
mostrada às vezes pelo cachalote, quando, imergindo a cabeça numa
direção, se move rapidamente na direção oposta, enquanto se
esconde sob a superfície – este subterfúgio não podia estar
sendo posto em prática naquele momento; pois não havia motivo para
supor que o peixe avistado por Tashtego pudesse ter se assustado ou
mesmo tomado conhecimento de nossa proximidade. Um dos homens
escolhidos para guardar o navio – isto é, um dos que não desciam
com os botes, já tinha tomado o lugar do Índio no topo do mastro
principal. Os marinheiros dos mastros de proa e de mezena desceram;
as bobinas dos cabos foram colocadas em seus lugares; os guindastes
foram colocados para fora; a verga principal foi recolhida, e os três
botes balançavam sobre o mar como três cestos de salicórnia sobre
altos penhascos. Fora da amurada, a tripulação ansiosa, com uma das
mãos firmada no balaústre, colocava o pé na amurada. Assim se
colocam numa longa fila os marinheiros dos navios de guerra prontos
para abordar o navio inimigo.
Mas neste momento
crítico ouviu-se um grito que afastou todos os olhares da baleia.
Com um sobressalto, todos se viraram para o soturno Ahab, que estava
cercado por cinco fantasmas sombrios, que pareciam recém-criados
pelo ar.
Herman Melville,
in Moby Dick
Nenhum comentário:
Postar um comentário