sábado, 2 de junho de 2018

Medo, a base da religião

A religião se baseia, acredito, em primeiro lugar e principalmente, no medo. Trata-se, em parte, do terror ao desconhecido e, em parte, como eu já disse, do desejo de sentir a existência de um tipo de irmão mais velho a proteger-nos em todos os problemas e disputas. O medo é a base de todo o problema: medo do misterioso, medo da derrota, medo da morte. O medo é o progenitor da crueldade, e portanto não é nada surpreendente o fato de a crueldade e a religião andarem lado a lado. Isso acontece porque o medo é a base de ambas as coisas. Neste mundo, agora podemos começar a compreender um pouco as coisas e a controlá-las com a ajuda da ciência, que abriu seu caminho à força, passo a passo, contra a religião cristã, contra as igrejas e contra a oposição de todos os preceitos antigos. A ciência pode nos ajudar a superar esse medo covarde no qual a humanidade vive há tantas gerações. A ciência pode nos ensinar, e acredito que também nosso próprio coração pode fazê-lo, a não mais olhar em volta em busca de apoios imaginários, a não mais inventar aliados no céu, mas, em vez disso, a olhar para os nossos próprios esforços aqui embaixo, a fim de fazer deste mundo um lugar adequado para se viver, em vez do tipo de lugar em que as igrejas ao longo desses séculos todos o transformaram.

O QUE DEVEMOS FAZER
Queremos nos erguer sobre os próprios pés e olhar com justeza e honestidade para o mundo: seus aspectos bons, seus aspectos maus, suas belezas, suas feiuras; ver o mundo como ele é e não ter medo dele; conquistar o mundo com a inteligência, e não simplesmente subjugados como escravos pelo terror que emana dele. Toda a concepção de Deus é uma concepção que deriva dos antigos despotismos orientais. Trata-se de uma concepção bastante indigna dos homens livres. Quando ouvimos pessoas na igreja se rebaixando e dizendo que são pecadoras miseráveis e tudo o mais, isso me parece algo desprezível e indigno de seres humanos que respeitem a si mesmos. É necessário nos erguermos e olhar para o mundo com franqueza, de frente. Precisamos fazer com que o mundo seja o melhor possível – e, se ele não for tão bom como gostaríamos que fosse, no final das contas ainda será melhor do que aquilo que todos esses outros fizeram dele ao longo de tantas eras. Um mundo bom precisa de conhecimento, gentileza e coragem; não precisa de anseios pesarosos em pelo passado nem do agrilhoamento do livre pensar a palavras proferidas há muito tempo por homens ignorantes. Precisa de perspectivas desprovidas de medo e de liberdade para a inteligência. Precisa de esperança para o futuro, e não de retrocesso a um passado que já morreu, que, acreditamos, será enormemente superado pelo futuro que a nossa inteligência é capaz de criar.
Bertrand Russell, in Por que não sou cristão

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