O desejo tem suas
leis. Precisa de regras até para perder as regras. Não se adota de
qualquer jeito. O desejo não pode ser humilhado e ofendido, não é
passageiro e involuntário.
O desejo investiga
seu amor como se fosse sua morte. O desejo tem responsabilidade, por
mais que isso pareça despropositado.
O desejo apresenta
ética, princípios, caráter. Não é inconsequente, como se
convencionou chamá-lo. O desejo não apela para golpes baixos. O
desejo não suporta quem aproveita a carência de outro para se
aproveitar, quem finge amizade para seduzir. Quem é educado apenas
para agradar, quem se julga melhor do que o seu próprio desejo. Quem
escuta confidências para avançar o corpo.
Quem envenena para
se aproximar. Quem dá um ombro cobiçando a perna. Quem mexe nos
cabelos para tapar os olhos. Quem não respeita a fragilidade, as
dúvidas e as inquietações de uma crise.
Quem se esbalda no
medo para oferecer proteção. Quem apressa a mulher para esquecê-la,
quem não se afasta um passo, um pouco, para lembrá-la. Quem invade
a intimidade para expô-la ainda mais. Quem é dedicado na véspera e
brusco na despedida. Quem não observa o quarto para recolher as
roupas. Quem culpa o desejo pela posterior falta de desejo. Quem diz
sim já antecipando o não. Quem afoba para destruir, quem não
estará depois da espuma para alinhar o mar. Quem espanta as aves de
perto para não ser contrariado. Quem encontra desculpas para se
esconder. Quem não paga o insulto de viver. Quem mutila o braço do
rio por não saber segui-lo.
O verdadeiro desejo
espera a mulher se recompor, espera a serenidade, que ela fique mais
forte e possa escolher uma nudez que não seja tolerância e
fraqueza. É devagar e denso, raiz carregada do visco e das sombras,
quietude amadurecida do sumo e da nata.
O verdadeiro desejo
não teme, inclusive, o risco de ser recusado. Não é uma
circunstância, é linguagem. Como uma foto, o desejo não será
dobrado. Como uma foto, o escrito vai no verso, não sobre a imagem.
O verdadeiro desejo
não é predatório, não é egoísta; é generoso, preocupa-se em
chegar ao final, obediente ao início; em chegar ao início,
obediente ao final. Não se rebaixa. Não significa um alívio, mas a
contenção, a alegria alta da corda de um sino.
É, muitas vezes,
prender o prazer para se conhecer mais.
Fabrício
Carpinejar, in Ai meu Deus, ai meu Jesus
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