Ora, dá-se que o
jovem casal completou trinta e seis anos de união, e eu resolvi
entrevistá-lo. Quem sabe se os dois teriam alguma receita de
felicidade? Levei um questionário indiscreto. Primeira pergunta:
— Como é que
vocês conseguiram passar tanto tempo juntos?
Os dois, a uma voz:
— Não foi tanto
assim. Um terço (doze anos), dormindo oito horas por dia.
— Mesmo assim,
meus caros!
Ela esclareceu:
— Havia o
trabalho dele, que nos separava durante a maior parte do dia.
— E ela passou a
maior parte da vida no cabeleireiro — completou ele.
Eu: —
Cabeleireiro, trabalho e sono: será isso a vida em comum?
— Não — disse
ela sorrindo. — Há os intervalos.
— De qualquer
maneira, trinta e seis anos! É um latifúndio.
Ela: — Bem,
brigamos o necessário. — Está satisfeito agora?
Eu: — Ainda não.
Brigas feias, dessas de atrair vizinho?
Ele ponderou: —
Como quer você que uma briga seja bonita? Brigamos como foi
possível. Confesso que a iniciativa geralmente era minha. Ela,
porém, provocava sempre.
— Ele trazia os
motivos da rua, às vezes bem visíveis — informou ela.
— Outras vezes,
os motivos vinham da cozinha — emendou ele. — O homem gosta de
variar, pelo menos de sobremesa.
— Mas depois das
brigas… — insinuei.
— Sim, era bom —
admitiram ambos.
E cada um por sua
vez:
— Nos primeiros
tempos, ele punha bilhetes debaixo do travesseiro, pedindo perdão.
Tenho um arquivo.
— Ela, de
desgosto, jejuava. Gostando tanto de bife!
Ficaram recordando.
— Ele mentia
muito.
— Ela me chamava
de mentiroso justamente quando eu falava verdade.
— Ele era
impaciente.
— Ela fazia de
boba, me enervava.
— Ele tinha ódio
de me ver doente. Embora sentindo pena, e querendo ajudar, virava
onça.
— Eu também não
podia adoecer, os cuidados dela eram excessivos. Doente precisa de
paz.
— Algum dia, no
íntimo, você pensou em matar sua mulher? — arrisquei.
— Mais ou menos.
Quando ela comprou um tapete horroroso.
— E você já
pensou em envenenar seu marido?
— Nunca. Mas
tinha medo de que outra mulher o fizesse.
— Vocês
discutiam por causa de dinheiro?
Ele, satisfeito: —
O dinheiro não dava para isso.
Ela: — Não posso
me queixar. Ele nunca me negou nada.
Ele: — Ela teve a
esperteza de nunca me pedir nada que eu não pudesse dar.
— Que foi que
preservou o lar de vocês, nos momentos difíceis?
Ela: — O tricô,
que apura as virtudes femininas, e o hábito.
Ele: — A
poltrona, o cãozinho, o hábito.
Eu: — Só isso?
Os dois: — E tudo
mais.
— Quanto tempo
leva para um se acostumar ao outro?
Ele: — Uma
semana. Mas durante os primeiros vinte anos, uma vez ou outra, a
gente se estranha ao acordar. E isto salva da rotina.
— Qual o papel
dos filhos no casamento?
Ele: — Educar os
pais. Poucos o conseguem.
— Vocês se
educaram?
Ele: — Não.
Continuamos a achar nossa filha mais moça do que nós. A verdade é
que, nascendo depois, ela sabe muito mais. Os pais são rebeldes ao
ensino.
Ela: — Ele é
sofisticado. No fundo, coruja como os outros.
— Qual foi o
presente de aniversário que ele deu a você?
— Um colar de
pérolas barrocas.
Ele: — Para me
fazer lembrado. Ela diz que sou uma pérola — mas barroca, isto é,
imperfeita.
Ela: — E eu dei a
ele um barbeador elétrico. Para lembrar que marido não deve ficar
com a barba crescida quando não sai de casa.
— Vocês se
casariam de novo?
Como resposta,
beijaram-se. Não aprendi nenhum segredo, mas afinal o segredo de
todos os casais antigos deve ser mesmo esse.
Carlos Drummond
de Andrade, in 70 historinhas
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